Seis caminhos para um mundo melhor, pós-pandemia

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Por Amelia Gonzalez, compartilhado de Projeto Colabora – 

Uma lista de iniciativas que se propõem a olhar sobre o novo tempo com uma lente que permita inclusão social, desenvolvimento sustentável, respeito ao meio ambiente e outras urgências globais

Protesto na Avenue de la Grande Armee, em Paris, durante a COP-21, denuncia os efeitos da mudança climática: seca, erosão do solo, capitalismo. Foto de Alain Jocard (AFP)

No fim do século passado, o diplomata e ex-ministro do Irã Majid Rahnema organizou em livro artigos de 37 pensadores sobre o novo momento que a humanidade estava enfrentando. Era uma nova era, a chegada de um novo século e o mundo, ainda respirando resquícios dos tempos colonialistas, agora precisava refletir sobre sistemas diferentes.  O livro se chama The Post Development Readers, foi editado pela Zed Books, não tem tradução no Brasil e se dedica, página após página, a refletir sobre o desenvolvimento que se quer, ou que se queria. Os articulistas foram convidados a pensar a vida para fugir da desintegração causada pelas eras anteriores. E a inclusão social foi a mola-mestre de todas as teorias listadas ali.




É importante revisitar a publicação agora. Estamos em tempo de ordenar iniciativas atuais que carregam em si o desejo de pensar sobre um novo desenvolvimento na era pós-covid-19, a doença que forçou o mundo a pisar no freio desde o início do ano.

Rahnema faleceu em 2015, aos 91 anos. Entre outras qualidades, o iraniano faz alerta que não se deve menosprezar. Para ele, o discurso do desenvolvimento, sobretudo depois de um tempo conturbado, atrai interesses distintos. Entram em cena, então, tanto aqueles que encontram a chave do sucesso da nova era no setor econômico quanto os que priorizam questões socioculturais ou ambientais. E o desenvolvimento, mais do que qualquer outro tema, torna-se uma “vaca tão sagrada que parece totalmente irresponsável questionar sua relevância”, segundo o autor.

O perigo é que as políticas formatadas pelos donos do poder acabam por beneficiar apenas os que já estão bem localizados na pirâmide social. Foi o que aconteceu no período pós-colonial, segundo a maioria dos autores que escreveram para o livro organizado por Rahnema. É o que organizações da sociedade civil estão tentando evitar agora, quando se pensa num mundo pós-pandemia.

Abaixo, algumas das principais iniciativas que se propõem, hoje, a olhar sobre o novo tempo com uma lente que permita inclusão social. Porque um mundo que conseguiu construir um cenário em que  2.153 bilionários têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas – ou cerca de 60% da população mundial (conforme último relatório da Oxfam) precisa de mudanças profundas. Em todos os setores.

The Green New Deal – Uma espécie de “acordo verde” que deverá ser seguido pelos Estados Unidos se vingar o projeto, apresentado pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, e pelo senador Edward J. Markey, de Massachusetts, ambos democratas. Lançado no início de 2019, propõe que o país não use mais combustíveis fósseis e reduza as emissões de gases do efeito estufa. Seus detratores, que não são poucos, resumem assim a proposta. Mas, na verdade, o projeto prevê também a criação de muitos empregos para fazer face à nova normalidade e inclui um olhar especial para auxiliar as pessoas pobres e desfavorecidas.

O nome faz referência ao New Deal, conjunto de reformas posto em prática pelo presidente Franklin Roosevelt em resposta à Grande Depressão de 1929.

Com a crise provocada pelo coronavírus, o Green New Deal está sendo apresentado como chave para o programa de recuperação da economia norte-americana. Para isso, seus criadores alegaram o que parece óbvio aos ambientalistas: as mudanças climáticas aumentam as chances de vivermos, a partir de agora, de pandemia em pandemia.

Da Pandemia à Prosperidade Para Todos  – A jornalista e ativista ambiental canadense Naomi Klein abraçou o projeto da deputada Alexandria Ocaso-Cortez. Mais: no site que criou com parceiros, The Leap (O Salto, em tradução literal), chama atenção para o fato de que os momentos de crise são voláteis, frágeis sob o ponto de vista de conquistas sociais. “Ou perdemos terreno, somos forçados pelas elites e pagamos o preço por décadas, ou conquistamos vitórias progressivas que pareciam impossíveis apenas algumas semanas antes. Não é hora de perder a coragem”, convoca Naomi.

O projeto que ela está abraçando se chama “Da Pandemia à Prosperidade – Para todos”, e está aberto a assinaturas para todo mundo. Em resumo, ele clama por alívio para os trabalhadores profissionais de saúde que estão na linha de frente da batalha contra a doença; exige que os gastos com estímulo à economia sejam andaimes para uma sistema de pleno emprego e com zero carbono; pretende que haja um novo Acordo Global Ecológico que priorize a segurança e dê estabilidade não apenas ao 1% mais rico.

Por enquanto, sim, é apenas uma agenda. A participação da sociedade civil será fundamental para que ela floresça e avance.

A Economia de Francisco – O Papa havia convocado a juventude para debater, junto com especialistas do mundo inteiro, sobre um novo desenvolvimento – inclusivo, justo e sustentável – dos dias 26 a 28 de março em Assis, na Itália. Mas veio a pandemia, veio o isolamento, e o evento foi transferido para novembro. A agenda, como não podia deixar de ser, inclui reflexões para o mundo pós-covid.

A julgar pelas declarações do Sumo Pontífice a respeito da pandemia, muito vai ser debatido sobre inclusão social durante o evento em novembro. Papa Francisco ficou especialmente abatido com a falta de preparo da sociedade para acolher a Terceira Idade, considerando que tais pessoas têm sido as principais vítimas da doença. Entre as pessoas com mais de 80 anos, a taxa de letalidade é cinco vezes maior.

O Papa lança, com este evento, uma espécie de chamada global para mudar o modelo econômico atual, torná-lo mais inclusivo e menos depredador do meio ambiente. Quem leu a Encíclica de 20, “Laudato Si – Sobre o Cuidado da Casa Comum”, reconhece no tópico 60 os primórdios desse megaevento. Ali Francisco  costura a ideia de um “espaço para uma variedade de contribuições que poderiam entrar em diálogo a fim de chegar a respostas abrangentes”.

Alguns participantes estavam confirmados para o evento que aconteceria em março, entre eles os vencedores do Nobel de Economia Muhammad Yunus e Amarthya Sen e figuras de destaque como Bruno Frey, Tony Meloto, Carlo Petrini, Kate Raworth, Jeffrey Sachs, Vandana Shiva e Stefano Zamagni.

O destaque maior talvez seja, de fato, os eventos paralelos que já estão acontecendo, agora via digital. Aqui no Brasil foi criada a Articulação Brasileira para a Economia de Francisco, cujo site ainda não se atualizou com relação à nova data.

The New Economic Foundation – Na certeza de que o coronavírus reformulará, fundamentalmente, a economia, esta plataforma de pensadores – criada há cerca de dez anos – conclui que a situação estimula ações para um futuro sob outras bases. No site da NEF há publicações com sugestões que abarcam desde a semana de trabalho mais curta – lema principal dos economistas da fundação – até uma publicação que chama a atenção para o fato de as empresas de aviação estarem no topo da preocupação governamental, não os trabalhadores que ficaram desempregados. Este é o ponto: não dá para falar em recuperação econômica se as pessoas físicas não receberem a atenção necessária, se não houve um olhar criterioso e uma busca frenética para se acabar com a desigualdade social.

Progressive International – Plataforma recentemente criada para se debater sobre o progresso. No mundo ainda imerso na pandemia, um dos temas propostos para discussão é “Como construir um entendimento coletivo de que não pagar aluguel não é nossa culpa?” Se a pandemia deixar, em setembro os membros do conselho – que inclui pessoas como Noam Chomski, Vandana Shiva, os brasileiros Celso Amorim, Fernando Haddad, o ator mexicano Gael García Bernal, entre outras – pretendem realizar uma cúpula inaugural na Islândia.

Economia Donut – Criada pela economista britânica Kate Raworth, do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, a Economia Donut recebe este nome porque a criadora inspirou-se no doce, uma rosquinha, para desenhar o desenvolvimento que considera ideal para o planeta. A parte de dentro da rosquinha é onde as pessoas caem quando ficam sem casa, educação, saúde, dinheiro. O objetivo é que todos fiquem dentro do Donut, mas com uma preocupação especial: não aumentar demais a pressão sobre o planeta.

A capital holandesa, Amsterdã, está adotando o modelo desde maio, quando se viu na curva descendente da pandemia e precisou lançar pilares para um novo desenvolvimento. Raworth sugere um sistema no qual as necessidades de todos serão atendidas sem esgotar os recursos naturais, contraponto possível ao crescimento ilimitado a qualquer custo. Aqui no Brasil há um livro, editado pela Zahar em 2017, escrito por Kate Raworth, que esmiúça todo o projeto.

Em entrevista que a economista deu à “Época”, em junho de 2019, ela esmiuçou seu projeto. Raworth lembra que o trabalho doméstico, assim como os serviços não baseados em lucro, precisam ser valorizados. Como se sabe, não são trabalhos computados na medição de riqueza universal, o PIB.  E a britânica quer também uma economia que não degrade o meio ambiente, o que quer dizer que a nova agenda de Amsterdã deve imprimir um novo paradigma de produção e consumo, além de cuidados com os bens naturais.

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