Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Para pesquisadores, flexibilização e volta às aulas no Brasil podem interromper tendência de queda e aumentar número de casos como ocorreu na Europa
No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde declarou como pandemia a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. No dia 12, a primeira pessoa contaminada morreu no Brasil – apesar deste óbito, de uma moradora de São Paulo, de 57 anos, só ter sido registrado em junho como causado pela covid-19. Seis meses depois, especialistas reunidos em seminário pela Fiocruz apontam que os números indicam que a primeira onda da doença no Brasil está começando a passar,mas alertam que o país precisa estar preparado para enfrentar a segunda onda. “Na Europa, a reabertura das escolas e a retomada da atividade econômica resultaram no aumento do número de novos casos e é muito provável que isso se repita no Brasil”, disse Thomas Mellan, pesquisador do Public Health Imperial College (Imperial Colégio de Saúde Pública), de Londres.
Mellon participou do primeiro encontro do evento “O Brasil após seis meses de pandemia da Covid 19 – I Ciclo de Debates do Observatório Covid-19′, que a Fiocruz está organizando até o fim deste mês. O pesquisador Christovam Barcellos, vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), que mediou o debate, lembrou que, apesar de queda no número de casos semanais ou números em estabilidade, dados da Fiocruz, referentes à Semana Epidemiológica 35, apontam que todas as regiões brasileiras ainda encontram-se na zona de risco e com valores semanais muito altos. O primeiro debate teve como tema central ‘Os cenários epidemiológicos no Brasil: tendências e impactos na sociedade’.
Thomas Mellon destacou que os números da pandemia estão entre os maiores do mundo: mais de 4 milhões de casos, 130 mil óbitos e uma taxa de mortalidade de 600 óbitos por 1 milhão de habitantes. “Pela curva epidemiológica, pode se ver claramente que a primeira onda ainda não acabou mas dá sinais de declínio. Na Europa, recentemente, quando a circulação foi flexibilidade as aulas retomadas, o número de casos, que havia caído significativamente, num patamar menor que o do Brasil, voltou a subir – felizmente, até agora, não houve aumento do número de mortes mas isso não está descartado. O alerta para o Brasil é que a flexibilização e a volta às aulas podem significar uma nova onda de contágio”, disse o pesquisador britânico.
A mesma preocupação foi demonstrada pelo brasileiros Daniel Villela, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz), que enfatizou os níveis de estabilidade – e mesmo de queda – ainda em patamares muito altos. “Como o Brasil é muito grande e diverso, a doença avançou de forma diferente. Entretanto, nos estados atingidos primeiro pela pandemia, o pico de casos e óbitos foi entre maio e junho – eles deveriam cair significativamente a partir dali, com a redução também da ocupação de leitos hospitalares, mas essa curva foi interrompida. Houve uma saída para, em um platô muito alto. Agora, com uma grande flexibilização das medidas, nós temos que observar o que vai acontecer: a continuidade da queda ou da estabilidade ou uma segunda onda como na Europa, com o agravante de recomeçar em patamar alto. Estamos vendo o transporte público novamente lotado e preparativos para a volta às aulas”, destacou o pesquisador.
Villela lembrou que as medidas de distanciamento social estabelecidas, de diferentes forma, em quase todo o país serviram para retardar o avanço da doença e, em alguns locais, evitar o colapso das unidades de saúde. “De qualquer forma, ainda é alarmante que, hoje, a taxa de ocupação de leitos no Rio de Janeiro tenha retornado a 80%”, frisou. “Neste momento delicado de flexibilização, precisamos redobrar cuidados e agir localmente e gradualmente. Seria necessário também uma coordenação global que infelizmente o país não teve e nada indica que terá”, acrescentou coordenador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz).
Vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde (Abrasco) e pesquisador do Instituto de Medicina Social da Uerj, o professor Guilherme Werneck classificou como “constrangedora” a resposta do Brasil à pandemia. “O país tinha uma experiência acumulada em saúde, bases de dados confiáveis, um Sistema de Saúde integrado: tínhamos condições de enfrentar a doença de uma maneira capaz de poupar muitas vidas”, afirmou. “Infelizmente, faltou levar a epidemia a sério em muitas instâncias, faltou comunicação adequada ao público, faltou coordenação, perdeu-se tempo com debates inúteis. O Brasil apresentou falhas em todas as fases”, lamentou Werneck.
O pesquisador lembrou ainda as dificuldades no combate à pandemia pelas diferenças de estágio em muitas regiões. “Há uma tendência de queda, mas há cidades e regiões onde dados apontam para uma probabilidade de crescimento do número de casos. Há estados em que o índice de contá abaixo de 1, o que aponta para uma redução, e outros em que o índice ainda está acima de um. E, mesmo onde está abaixo, ainda é pouco para queda significativa”, alertou. “Não é possível comemorar que o número de mortes diárias tenha caído de 1200 para 800. São números inadmissíveis, inaceitáveis. A pandemia ainda está em andamento e o Brasil enfrenta um desastre sanitário”, enfatizou Werneck.
Apesar de preocupado com a flexibilização, o pesquisador da Uerj disse que é preciso começar a debater a recuperação. “A volta às aulas é alarmante e pode realmente dar início a uma segunda onda. Mas o impacto da suspensão das aulas também tremendo, aumenta o fosso da desigualdade no ensino e no país, vai causar prejuízos a esta geração. O desastre sanitário tem impactos econômicos que foram mitigados até agora pelo auxílio emergencial: é preciso buscar caminhos para que o pós-pandemia não traga fome e miséria de volta ao país. Há necessidade de intervenção do estado apesar de não ver neste governo disposição isto”, afirmou Werneck, destacando ainda a necessidade de cuidados com a saúde mental, além da física, da população.
Em uma das poucas intervenções menos pessimistas, Thomas Mellon destacou que o aumento do número de casos após a flexibilização não significou um crescimento do número de mortes. “Isso significa que médicos e profissionais de saúde estão mais preparados para o tratamento e também não há sobrecarga nos hospitais. As autoridades também buscaram agir rápido para conter os focos de contágio. É preciso estar preparado para que uma possível segunda onda faça menos vítimas como até agora está acontecendo na Europa”, afirmou o pesquisador britânico. O professor Guilherme Werneck disse que a flexibilização precisa estar acompanhada de aumento de atenção. “A retomada das aulas tem que ser acompanhada de muito perto”, destacou.
A Fiocruz realizará ainda mais três encontros virtuais no evento “O Brasil após seis meses de pandemia da Covid 19 – I Ciclo de Debates do Observatório Covid-19′: no dia 17 de setembro, o tema será “Covid-19: desafios para a segurança do paciente”; no dia 23, “Covid-19 e repercussões sociais: narrativas e evidências sobre desigualdades e vulnerabilidades no Brasil” e no dia 30 de setembro, “A pandemia de Covid-19: interfaces entre as populações, os sistemas de saúde e as desigualdades sociais”.