Por Reynaldo Rubem Ferreira Jr, compartilhado der 082 Notícias
Reynaldo Rubem Ferreira Jr é Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL.
O Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre surpreendeu positivamente os analistas econômicos, tanto em comparação ao trimestre anterior (ajustado sazonalmente) quanto em relação ao mesmo período do ano anterior. Os números registraram um crescimento de 1,9% e 3,3%, respectivamente. No entanto, é importante ressaltar que esses resultados foram fortemente influenciados pelas exportações líquidas, no lado da demanda, e pelo notável crescimento do setor agropecuário, no lado da oferta. Essa dependência de fatores com menor peso na composição do PIB (de 0,76% e 7,9%) levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento a médio prazo, apesar das revisões para cima das projeções do PIB para 2023. De acordo com a pesquisa FOCUS do Banco Central do Brasil (BCB), a mediana das projeções subiu de 1% no início de maio para 2,19% na primeira semana de julho.
É importante destacar que o consumo das famílias, responsável por aproximadamente 63% do PIB, apresentou uma ligeira redução em relação à taxa acumulada nos últimos quatro trimestres de 2021. Além disso, tanto os gastos do governo quanto os investimentos, com um peso equivalente de 18% no PIB, desaceleraram significativamente. Esses dados indicam dificuldades em manter os motores da economia sob a ótica dos gastos, levantando alguns sinais de alerta.
O primeiro sinal de preocupação está relacionado à alavancagem financeira. Nos últimos anos, o custo do dinheiro para as famílias no Brasil aumentou consideravelmente, resultando em níveis crescentes de comprometimento da renda com dívidas. Dados do BCB deixam evidente esse processo de fragilização financeira. Entre abril de 2021 e abril de 2023, a taxa média de juros para pessoa física saltou de 25,25% aa para 37,7% aa, enquanto o IPCA subia com taxas de 6,57% e 4,18%, respectivamente. Como consequência direta dessas taxas elevadas, houve um aumento pronunciado do endividamento das famílias, que subiu de 42,9% para 48,5% no período analisado, e nas taxas de inadimplência de pessoa física (percentual da carteira de crédito com atraso entre 15 e 90 dias), de 4,6% para 5,4%. Propostas de programas de renegociação de dívidas podem ser um primeiro passo importante para desobstruir esse canal, principalmente para a indústria de bens de consumo duráveis e alimentícia, bem como o setor da construção residencial.
Os juros também têm impactado os custos do crédito para as empresas, com efeitos negativos sobre a produção, no caso do capital de giro, bem como sobre as decisões de investimento. No primeiro caso, a taxa média para empresas atingiu 21,46% aa em março deste ano, enquanto no segundo caso, a taxa real de juros (descontando-se a inflação esperada para os próximos doze meses), usada como referência para o custo do financiamento em prazos mais longos para as empresas, estava em 7,26% em abril.
Taxas altas de juros, por sua vez, atraem os investidores para ativos financeiros em detrimento de investimentos no setor real da economia, aumentando a disfuncionalidade do sistema financeiro. Do ponto de vista fiscal, o aumento do serviço da dívida exige ajustes mais fortes do ponto de vista dos gastos públicos, o que tem penalizado significativamente os investimentos públicos em infraestrutura, com consequências negativas sobre a produtividade do setor privado, além do aumento da carga tributária. Essa carga tem sobrecarregado a produção e os consumidores de renda mais baixa devido à estrutura regressiva dos impostos no Brasil.
Do ponto de vista da oferta, também há sinais preocupantes, especialmente no setor industrial e de serviços. Enquanto a agropecuária se recuperou devido à melhoria das condições climáticas (efeito soja) e registrou crescimento de 6,0% na margem (com ajuste sazonal) e de 21,6% em relação à taxa acumulada nos últimos quatro trimestres, a indústria e os serviços, que representam respectivamente 23,9% e 68,2% do PIB, apresentaram variações negativas de -0,1% e 0,6%, e taxas de crescimento de 2,4% e 3,9%. Esses números indicam uma desaceleração clara da indústria e dos serviços, o que impede uma retomada sustentada da economia.
À primeira vista, um primeiro passo para superar as dificuldades mencionadas seria o início de um ciclo de redução da taxa básica de juros pelo Banco Central do Brasil (BCB). Uma pesquisa recente realizada pela CNI mostrou a relevância dessa medida ao apontar que a dificuldade mais citada pelas empresas industriais na obtenção de crédito foi o nível elevado das taxas de juros, independentemente da modalidade do crédito (curto, médio ou longo prazo).
Desde agosto de 2022, período em que a Selic parou de subir e se manteve em 13,75% ao ano, a inflação medida pelo IPCA (nos últimos doze meses) caiu de 8,7% para 3,9%. Além disso, as expectativas para os próximos doze meses, de acordo com o Focus-BCB, também diminuíram de 5,2% para 4,2%, neste período. As projeções da ANBIMA para a inflação implícita nos próximos 252 dias mostram uma tendência semelhante, caindo de 5,3% para 3,9%. Esses dados evidenciam uma desaceleração significativa do IPCA, o que torna cada vez mais claro que a política monetária atual de manter a Selic nesse patamar é exagerada, com consequências negativas para famílias e empresas que estão altamente endividadas bem como no tocante à redução da dívida em relação ao PIB.
Ante sinais tão evidentes, por que o BCB mantém a Selic em 13,75%?
O Banco Central do Brasil (BCB) argumenta que a resiliência à baixa da Selic se deve à desancoragem das expectativas de inflação a longo prazo. Salienta que, apesar da tramitação do arcabouço fiscal reduzir a incerteza em relação ao risco fiscal, mesmo ainda existindo desafios para atingir as metas de resultado primário, não há uma relação direta entre a convergência da inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, pois a trajetória da inflação depende das expectativas inflacionárias e das condições financeiras. Não obstante esta ressalva, o próprio BCB coloca como fator de risco de alta da inflação a incerteza sobre o arcabouço fiscal. Em outras palavras, implícita ou explicitamente, a velha narrativa do BCB se mantém. Além da controversa influência das expectativas na inflação e da defesa de juros estratosféricos para sua ancoragem em prazos mais longos, como mostrado no nosso artigo Armadilha Monetária neste Blog, a narrativa de exercer o papel desagradável de tirar o chopp da festa para impedir que os efeitos da animação com os “gastos públicos” se transformem em inflação, mesmo quando há sinais nítidos de desaceleração desta última, se mantém. A resultante de tamanha miopia é continuarmos na liderança da maior taxa básica real de juros do mundo, com 7,54% (Moneyou).
A postura “hawkish” adotada pelo Banco Central do Brasil (BCB) tem gerado preocupações sobre os efeitos negativos no setor real da economia, especialmente em um contexto de alta alavancagem financeira. Esse cenário levou o mercado financeiro a temer as consequências da fragilização financeira das famílias e empresas sobre seus ativos. De acordo com a pesquisa FOCUS, a mediana das expectativas aponta para uma taxa de juros de 12,00% no final do ano. Essa perspectiva indica a possibilidade de um ciclo de redução dos juros em ritmo mais forte, que provavelmente será iniciado na reunião de agosto pelo BCB, com um corte de 25 pontos-base. Adicionalmente, prevê-se mais três cortes de 50 pontos-base até dezembro, porém, a taxa de juros só deve atingir um patamar abaixo de dois dígitos, especificamente 9,75% ao ano, em meados de 2024.
Altas taxas de juros exercem um efeito inibidor na economia, dificultando o consumo, o investimento e o crescimento sustentável. O endividamento das famílias aumenta, limitando sua capacidade de consumir e investir, enquanto as empresas enfrentam custos elevados de capital, desencorajando a expansão dos negócios. Além disso, a política monetária restritiva do Banco Central, apesar da desaceleração da inflação, impede a recuperação econômica. Portanto, é crucial iniciar um ciclo de redução da taxa básica de juros, a Selic, para estimular a economia, reduzir o custo do crédito, impulsionar o consumo e os investimentos em infraestrutura física, social e tecnológica, e superar a desaceleração nos setores industriais e de serviços. Essa medida é essencial para promover um ambiente propício ao crescimento econômico com inclusão social.