Sem açúcar, sem afeto, por Elizabeth Lorenzotti

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O chamado identitarismo está nos levando não sei para que outro buraco, além do enorme abismo em que o fascismo nos meteu.

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Reprodução youtube/Programa Globo

Impressionante. O tempora o mores !! diria o velho Cicero. Acabo de ler nas redes que Chico Buarque teria eliminado do seu repertorio a linda Com Açúcar com Afeto. Ele mesmo teria resolvido tirar porque concordou com críticas de feministas  a respeito do machismo da letra.

Eu não tiraria, eu, feminista desde o nascimento.

Eu vejo e ouço essa doce canção desde sempre como um retrato perfeito de um perfil de mulher que, sim, existe até hoje e, sim, todos/as conhecemos.

“Logo vou esquentar seu prato/ dou um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você”, cantava Nara Leão maravilhosa e tristemente, sobre a moça que fazia o doce predileto dele, cozinhava e esperava e esperava a volta do homem.

Peraí minha gente. Vamos com calma Chico!

Eu conheço bastante de MPB, que escuto em casa desde criança, pois meu pai era cantor, gravou e foi crooner de orquestra e tinha discos maravilhosos. Mas teve de desistir da carreira pra sustentar a pequena família

E, portanto, posso dizer que todo nosso maravilhoso repertório musical sempre foi machista. E continua.

Mas claro! E como não seria, se feito por homens que sempre foram criados e reproduzidos no machismo? Nem vou citar títulos, porquê precisaria uma pesquisa e isso é pauta boa para críticos/As de música, aliás praticamente inexistentes na mídia hegemônica em estertores.

O chamado identitarismo está nos levando não sei para que outro buraco, além do enorme abismo em que o fascismo nos meteu.

As letras em geral, se você for analisar, todas escorregam nessa maionese. E o que dizer das “cachorras”, das “preparadas” que até ficaram no funk já antigo, mas sem deixar cair a peteca machista até hoje? E se fosse só funk. Não, o machismo é generoso com todos os gêneros musicais.

Breganejo é só isso. A chamada música sertaneja feita por mulher, como a moça que morreu, e me desculpem no momento esqueci o nome, e festejada como libertadora, nada mais é do que mais um apêndice fabricado e incentivado pela cultura de massas, onde a mulher toma o lugar do homem pra cantar o mesmo modo besta de ser. E grosseiro.

Nada de novo no front. Nem o lucro do agronegócio, que patrocina esse comércio musical e jamais permitiria qualquer comportamento verdadeiramente libertador!

Novos no front são os feminicídios, que em tal intensidade nunca se viu na longa história. Daqui a pouco vão louvar em algum breganejo hit, se é que já não louvaram.

Sim, o nosso Chico pertence a uma geração machista. Entretanto, ele é uma das antenas da raça, como dizia Ezra Pound referindo-se aos poetas. E usando de licença poética – perdão Pound! —  vou trocar raça por espécie, senão vai vir algum identitarista aqui me espinafrar.

Penso que Chico tem todo o direito de fazer o que quiser com sua obra.

Entretanto, o nosso buraco é mais embaixo. Esta obra nos pertence, pertence à sociedade. E a sociedade não pode ficar exposta à sanha identitária. Há limites!!!

Estou cansadíssima. Temos uma luta sem tréguas e perigosíssima pela frente para expulsar os fascistas.

E aqui dentro, uma corrente pela qual não ponho jamais minha mão no fogo, contribuindo com lenha para queimar mais ainda a nossa carne.

Voltarei ao assunto, porque ele é vastíssimo.

Mas mesmo que o Chico retire do repertório, mesmo que todas as tochas queimem toda a produção da MPB por machismo, racismo e sectarismo, ela jamais morrerá. Não conseguirão censurar e banir.

Pois é produto de uma época, de um momento, de uma História e de um povo, tenha ela as pretensas nódoas que apontarem.

Cuidado Cartola! Cuidado Mario Lago! Cuidado Nelson Cavaquinho! Cuidado Vinicius! Cuidado Caymmi! Cuidado Lupicínio! Cuidado Tom ! Cuidado Cazuza! Cuidado Raul Seixas! Cuidado Adoniram! Cuidado Noel. Cuidado todos os nossos grandes gênios aí no Céu.

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