Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado
As sucessivas revelações de malfeitos familiares e as trapalhadas que desnudam de vez o conhecido despreparo de Bolsonaro começam a criar na esquerda a percepção de que o capitão milico está para cair. Falso. É incorreta a análise que aponta Bolsonaro como um enfraquecido que se transformou em fantoche do numeroso grupo de generais no governo.
Para começar, quem venceu o cabo de guerra interno sobre demitir ou não Gustavo Bebianno? Segundo o noticiário, durante quase uma semana inteira os generais tentaram manter o ministro.
A corrente foi reforçada até pela grande mídia, que em sua imensa maioria se manifestou contra o afastamento de Bebianno. Quem ganhou, portanto, foi o atual presidente da República. Acumulou um desgaste para ofuturo, já que se revelou mentiroso e desleal até com companheiros, mas fez prevalecer sua vontade.
Existe uma questão política relevante que explica a razão de Bolsonaro ainda ser indispensável para o grupo de generais, que gostaria sem dúvida que o vice-presidente, um dos seus, assumisse o comando da tropa (leia-se, na visão deles, o Brasil). Bolsonaro é um líder popular ainda, gostemos ou não da realidade. E Mourão, apesar de seus esforços de vestir pele de cordeiro no conteúdo de lobo, está muito longe disso.
Qualquer governante recém-eleito conta com uma grande dose de boa vontade da população no início do mandato. Isso é histórico e comprovado por pesquisas de opinião pública. No Brasil particularmente, quando existe, a erosão de prestígio começa geralmente depois de 6 meses no cargo. Não é à toa que é antiga a receita que estabelece os 180 dias de lua de mel para se fazer as maldades No nosso caso, o manual está sendo seguido, com a tentativa de chacina nas aposentadorias e o pacote “licença para matar” de Moro.
É possível, como se viu depois do engajamento desavergonhado e unânime dos grandes veículos de comunicação às mexidas na Previdência, até que Bolsonaro ganhe um respiro. Aos olhos do grande capital, nada mais é importante do que a facada nos direitos relacionados à aposentadoria. E, não se enganem, o ponto é consensual na elite econômica, imprensa hegemônica e capitão e generais no poder.
Os próximos dias e semanas serão marcados por uma milionária campanha publicitária para tentar convencer o povo mais pobre que a reforma pretendida será boa para ele. Ironicamente, podemos dizer que se tentará vender a ideia do “você vai morrer sem se aposentar, mas as coisas vão melhorar depois”.
A fraude contará também com um noticiário pretensamente jornalístico que tem como tarefa só ouvir economistas e especialistas ligados ao mercado. Não será uma batalha fácil para o campo progressista, que tem como prioridade combater o assalto ao direito à Previdência pública.
Até agora, todas as pesquisas de opinião pública apontaram majoritária e expressiva rejeição dos brasileiros aos pontos mais caros a quem quer a “reforma” da Previdência. Tanto que os publicitários contratados pelo governo evitam agora a utilização da palavra “reforma’, desgastada que está.
A vigarice agora é carimbada como “Nova Previdência”. Mas nada garante, infelizmente, que a percepção negativa resista ao bombardeio que se reiniciou agora, incessante.
Qual o papel que caberia às oposições nessa batalha? Em primeiro lugar, ter a noção de que será um jogo
duríssimo. Bolsonaro tem sim força popular ainda para tentar enfiar goela abaixo de milhões uma proposta que ele escamoteou durante a campanha eleitoral. Mas não será fácil para ele e seus patrocinadores.
Para se recordar, o impedimento da “reforma” da Previdência de Temer foi a única vitória política relevante da área popular no Parlamento nos últimos tempos. Solitária mas fundamental.
O projeto enviado à Câmara tem algumas atrocidades que provavelmente serão desossadas pelos deputados, como a de assegurar apenas 400 reais mensais para idosos em situação miserável.
Mas esse não é o único absurdo. O conceito de Previdência pública e Justa estará ferido mortalmente se ele for aprovado. Cabe agora às oposições ações unitárias e massivas, unindo parlamento e rua, pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Acabou o recreio, é hora de defesa de direito fundamental.