Por Lidia Pena
Ainda curtíamos a emoção de Serginho, o craque que se despedia das quadras de vôlei com o ouro olímpico, quando uma ventania louca começou a nos despertar. Como se não quisesse deixar de pé qualquer ilusão, assobiou forte, bateu janelas e portas com extrema força, derrubou árvores e parte das grades que organizariam a entrada do público para a festa de encerramento no Maracanã.
As Olimpíadas foram inquestionavelmente bem planejadas. Impossível não suspirar: quem dera fosse assim todos os dias. A festa de abertura, tão simples quanto soberba, já preconizara que bons momentos aconteceriam na cidade. Esta, como sempre, brilhou. Reservou alguns dias de sol gostoso e céu azul-Rio para estontear os visitantes diante da sua majestosa natureza. E mostrou que também faz chover quando bem entende. Enfim, exibiu todo o seu repertório ímpar de belas nuances.
O jeito acolhedor de ser do carioca somado ao reforço dos brasileiros de outros estados surpreendeu com aplausos intensos e carinho, sem descartar naturalmente as vaias de praxe, russos, americanos, chineses, alemães, até argentinos, e quem mais chegou. O acolhimento foi tamanho que as seleções mais humildes foram adotadas explicitamente pela torcida, fazendo brotar largos e agradecidos sorrisos nos rostos dos atletas. Que o digam, por exemplo, os refugiados ou os da Nigéria. Bonito de ver e participar.
No mais alto do pódio subiram, principalmente, os legítimos representantes de guerreiros do povo brasileiro: os Silvas, de nome e de alma – Rafaela, Thiago, Robson e Isaquias. De origem humilde, forjados em duras batalhas pela sobrevivência, apoiados por um programa de esporte sério e justo, pensado por um governo que também chegava aos mais necessitados e foi afastado por um vergonhoso golpe.
Esse apoio foi registrado em agradecimento dos atletas à rede de TV patrocinadora do evento, e defensora do golpe, que precisou engolir em silêncio. Um gesto digno contraposto à cafajestagem de alguns bem tratados e arrogantes nadadores americanos. Que ironia!
A festa de encerramento, sob os acordes e imagens da nossa fascinante e diversificada cultura, foi um show de cores, ritmos e alegria tão lindo que chamou para sambar até a chuva e o frio indesejados. Ali, em algumas horas, tivemos o desenho do sonho maior de tantos, historicamente inviabilizado por muitos: a união de todos os povos sem qualquer distinção.
Mas, o recado do vento forte não podia ser mais claro. A partir de agora, todos de volta à vida sofrida de desigualdades, violência, corrupção, acrescida de brutais incertezas com os rumos do país tomado de assalto por inescrupulosa manobra política.
Hora de acordar. Acabou a anestesia.