Por Lourenço Paulillo, cronista e poeta
Poema de 26 de fevereiro, 2023, o mês da tragédia do litoral norte de São Paulo. O texto tem quase dois anos, mas o tema é recorrente, dado o descaso para com o meio ambiente e os mais necessitados.
“Um dia Caymmi escreveu: “Eu não tenho onde morar \ É por isso que moro na areia”. Hoje nem na areia a gente do morro é bem-vinda. E Caymmi prosseguiu: Todo mundo mora direito \ Quem mora torto sou eu.
Gostaria de cantar
A beleza da serra
Vestida de mata
Pérola da Terra
De manhã toda orvalhada
Abrigando a passarada
A serra é santuário
Não deve ser tocada
A serra é delicada
Tanta beleza oferece
Em troca não pede nada
Apenas respeito
Ser somente admirada
Mas o homem sem espaço
Sem apoio, só cansaço
Depois de tanta lida
Não vê outra saída
Sem qualquer alternativa
O homem sobe a serra
E lá se instala
Como um passarinho
Fazendo seu ninho
E a serra agora aflita
Com o coração que palpita
Sente que está ferida
Ameaçada sua vida
É o que resta, o homem fala
E de pronto a serra se cala.
No alto ele vai viver
Vai dormir, comer,
Tentar sobreviver
Com a mulher e a criança
Pois de lá para sair
Não lhe resta esperança
Do alto ele vê a terra plana
Suave, tão abundante
E pensa por um instante
Lá não sou aceito
Seria um errante
Dão-lhe um trabalho braçal
Por um tempo limitado
Com valor e prazo combinado
A um sinal de permanência
Reação de desagrado
Mas não há firmeza no solo
Ele é raso, vulnerável,
Quando chega a tempestade
Leva as árvores, a casa
Leva a mulher e a criança
Acuado, desalojado
Lá no alto do morro
Só lhe resta o cachorro
E na imensidão de lama
De tristeza e destroços
Ele ajuda na garimpagem
À procura de outras vidas
E então o tempo passa
O mundo esquece a desgraça
A autoridade
Por comodidade
Por desonestidade
Por irresponsabilidade
Se cala
Restam os cacos do temporal
Os corpos no lamaçal
Os troncos mortos na praia
As velhas manchetes do jornal
Desculpem a pobreza da linguagem
A imperfeição das rimas
Ante a devastação da paisagem
Não cabem belas palavras.”