Semana de Arte Moderna: onde ver, ler e ouvir obras de 1922

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A Semana de Arte Moderna, evento organizado por um grupo de intelectuais e artistas por ocasião do Centenário da Independência em 1922, foi um verdadeiro marco na história de São Paulo, considerada um divisor de águas na cultura brasileira.

Por Julia Braun, compartilhado da BBC News Brasil em São Paulo




Fotografia da capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, com ilustração de uma árvore com ramos vermelhos feita por Di Cavalcanti
Legenda da foto,Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, de autoria de Di Cavalcanti

O evento que comemora 100 anos na próxima semana foi realizado entre os dias 13 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo, e financiado pela oligarquia paulista.

O festival incluiu exposição com cerca de 100 obras, aberta diariamente no saguão do teatro, e três sessões noturnas de apresentações de literatura e música.

Influenciados pelo fim da Primeira Guerra Mundial e pelas vanguardas europeias, os organizadores propunham o rompimento com a arte acadêmica e o compromisso com a independência cultural. Também lutavam pela valorização de uma arte “mais brasileira”.

Apesar de ter provocado irritação e algazarra no público presente por suas visões, a Semana conseguiu revelar novos grupos, artistas e publicações, tornando a arte moderna uma realidade cultural no Brasil.

A BBC News Brasil destaca a seguir alguns dos principais trabalhos apresentados durante o festival, assim como dicas sobre onde encontrar e visitar as obras atualmente.

Anita Malfatti

A pintora paulista Anita Malfatti, que também era desenhista, gravadora, ilustradora e professora, é uma das mais relevantes artistas brasileiras, com papel determinante na introdução da estética modernista no país.

Sua relevância pode ser aferida pelo destaque concedido a ela na programação da Semana de Arte Moderna: Anita foi a artista com maior representação individual na exposição, com 12 telas a óleo e oito peças entre gravuras e desenhos.

Exibição do quadro A Estudante de Anita Malfatti no MASP. A obra é um retrato colorido de uma mulher sentada em uma cadeira
Legenda da foto,O quadro ‘A Estudante’ faz parte do acervo do MASP

Uma das obras da artista exibida durante a Semana de 1922 foi ‘A estudante’, de 1915. O quadro faz parte do acervo do MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), que tem entrada gratuita todas as terças-feiras e na primeira quarta-feira de todos os meses.

pintura ‘O Farol’, de 1915, faz parte da Coleção Gilberto Chateaubriand no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. O museu funciona de quinta a domingo e tem entrada gratuita.

O quadro ‘O Homem de Sete Cores’ também foi exibido. É possível admirá-lo ao vivo no Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP, que funciona todos os dias exceto às terças-feiras.

A pintura de Anita Malfatti retrata um homem colorido em meio a folhagens
Legenda da foto,’O Homem de Sete Cores’ no acervo virtual do MAB FAAP

Já a pintura ‘A Ventania’, 1915, integra o acervo do Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo de São Paulo. O local pode ser visitado de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, e a entrada é franca.

Di Cavalcanti

Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, mais conhecido como Di Cavalcanti, destacou-se nas artes plásticas por retratar figuras populares da cultura brasileira, como as favelas, o samba e o carnaval.

Na Semana de Arte Moderna, além de apresentar onze telas no hall do Teatro Municipal, o pintor carioca foi responsável por ilustrar as capas do programa do evento e do catálogo da exposição de artes visuais.

Pintura de Di Cavalcanti retrata dois homens de terno e barba em um fundo vermelho
Legenda da foto,’Amigos’, de Di Cavalcanti

Uma de suas obras exibidas foi ‘Amigos (Boêmios)’, 1921, que atualmente faz parte do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A entrada no museu é gratuita aos sábados e é obrigatório apresentar comprovante de vacinação contra covid-19.

John Graz

O pintor suíço-americano John Graz foi outro dos artistas convidados a expor na Semana de Arte Moderna. Entre as obras escolhidas para fazer parte da exposição estava a tela ‘Retrato do Desembargador Gabriel Gonçalves Gomide’, de 1917. O quadro faz parte do acervo do MASP, em São Paulo.

O quadro de John Graz retrata o desembargador Gabriel Gonçalves Gomide, um homem de cabelos brancos e bigode, em uma cadeira
Legenda da foto,Quadro pintado em 1917 pode ser visitado no MASP, em São Paulo

Graz também exibiu a obra ‘Paisagem da Espanha’, pintada em 1920. O quadro está em exibição na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Quadro do pintor John Graz reproduz a visão de um arqueduto romano em meio a uma estrutra rochosa na Espanha
Legenda da foto,’Paisagem da Espanha’, de John Graz

Vicente do Rego Monteiro

O pintor e escultor pernambucano Vicente do Rego Monteiro também participou da mostra. Suas obras eram fortemente inspiradas pela cultura indígena e marcadas pela simplificação.

Retrato feito pelo artista Vicente do Rego Monteiro mostra o poeta Ronald de Carvalho usando terno e em frente a uma estante de livros
Legenda da foto,’Retrato de Ronald de Carvalho’, de 1921

Ao todo, o artista exibiu oito trabalhos no Teatro Municipal. Um deles, intitulado ‘Retrato de Ronald de Carvalho’, de 1921, pode ser visitado atualmente no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro.

Victor Brecheret

Italiano, Victor Brecheret foi um dos precursores do movimento modernista brasileiro nas artes. Sua obra é marcada por diferentes técnicas da escultura, do mármore à terracota, e de temas relevantes da cultura nacional.

O escultor foi convidado a exibir 12 obras na Semana de 1922, entre elas ‘Cabeça de Mulher’. A estátua em terracota de cerca de 35 cm de altura faz parte do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Escultura feita em terracota por Victor Brecheret da cabeça de uma mulher de cabelos curtos
Legenda da foto,’Cabeça de Mulher’, de Victor Brecheret

A escultura ‘Soror Dolorosa’, de 1920, também foi exibida. Atualmente, a obra em bronze pode ser visitada na Casa Guilherme de Almeida, na cidade de São Paulo. O museu está aberto de terça a domingo, das 10h às 18h.

Mário de Andrade

Fotografia posada e em preto e branco dos 16 organizadores da Semana de Arte Moderna. Todos são homens e vestem terno
Legenda da foto,Foto oficial do grupo da Semana de Arte Moderna: Mário de Andrade, de terno escuro e óculos, está à esquerda

Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade foi um grande poeta, romancista e crítico de literatura e arte. O escritor leu alguns de seus poemas no palco do Theatro Municipal de São Paulo ao longo dos três dias de apresentações, mas foi criticado pela imprensa paulista e vaiado em diversas ocasiões pelo conteúdo vanguardista das obras.

Isso aconteceu durante o segundo dia de apresentações, quando Mário de Andrade recitou o poema Ode ao Burguês, que faz parte do seu livro Paulicéia Desvairada. A antologia de contos foi publicada em 1922 e é reconhecida por muitos como a primeira obra realmente de vanguarda do movimento modernista.

O poema escolhido para ser apresentado no Teatro Municipal desagradou pois atacava a burguesia e, dessa forma, muitos dos presentes na plateia.

Também no segundo dia do evento, Mário realizou uma conferência, que mais tarde viraria livro, publicado como ensaio intitulado A Escrava que Não é Isaura. Em sua fala, o escritor defendeu a modernidade no Brasil, sugerindo um olhar que mire as raízes da cultura popular brasileira.

Todas as obras de Mário de Andrade se tornaram domínio público em 2014, o que significa que os livros que contém o poema e a conferência apresentados no Teatro Municipal podem ser baixados gratuitamente pelo Google Livros e outras ferramentas online.

Graça Aranha

Fotografia em preto e branco da noite de inauguração do Teatro Municipal de São Paulo., com as ruas ao redor lotadas de visitantes
Legenda da foto,Teatro Municipal de São Paulo em 1911: mais de dez anos após inauguração, local foi o palco da Semana de 1922

Mais conhecido por seu papel na diplomacia brasileira, Graça Aranha também teve um papel significativo no movimento modernista e na Semana de 22. Além de organizador e financiador, ele ficou encarregado de proferir o discurso inicial intitulado “A emoção estética na arte moderna”.

Parte da palestra está disponível para leitura na página do autor no site da Academia Brasileira de Letras (ABL), que Aranha ajudou a fundar em 1897.

Graça Aranha iniciou seu discurso elogiando os jovens e ousados artistas modernos, mas dedicou-se em grande parte a academia, assim suas regras e moldes para a arte. “O que se pode afirmar para condená-la é que ela suscita o estilo acadêmico, constrange a livre inspiração, refreia o jovem e árdego talento que deixa de ser independente para se vasar no molde da Academia”, diz um trecho da apresentação.

Manuel Bandeira

O poeta pernambucano Manuel Bandeira não participou da Semana de Arte Moderna de 1922, mas seu poema “Os Sapos” foi lido no segundo dia de evento. Os versos foram declamados por Ronald de Carvalho, em meio às vaias da plateia.

O poema de 1918 carrega métrica regular e preocupação com a sonoridade, em uma espécie de paródia da poesia parnasiana. O objetivo era criticar o apego do formato à métrica, o que causou indignação do público.

É possível ler o poema na coletânea ‘Melhores poemas: Manuel Bandeira’, publicada pela Global Editora em 2020. Ele também está disponível no site do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP).

Heitor Villa-Lobos

Fotografia em preto e branco do músico Heitor Villa-Lobos ao lado de uma coleção de chapéus e instrumentos musicais
Legenda da foto,Villa-Lobos fundou a Academia Brasileira de Música em 1945

O compositor carioca Heitor Villa-Lobos foi a principal figura da música na Semana de 1922. Ele já era um dos mais importantes compositores brasileiros à época do evento e exibiu sua obra em dois dias de apresentações.

Mas foi o terceiro dia de apresentações no Teatro Municipal que entrou para a história. Antes mesmo de começar sua apresentação, o maestro causou uma das maiores polêmicas da Semana ao subir no palco com um pé calçado com um sapato e outro com chinelo. Sua atitude foi classificada por muitos como desrespeitosa e rendeu vaias e críticas da plateia, mas depois descobriu-se que o compositor sofria com um calo, o que o impediu de vestir o calçado.

Entre as obras do compositor apresentadas estiveram “Segunda Sonata”, “Danças Africanas”, “Valsa Mística”, “Cascavel”, “Terceiro Quarteto”, entre outras.

Todas as peças podem ser escutadas em aplicativos de streaming como o Spotify e também no Youtube.

Há ainda a possibilidade de desfrutar das obras do compositor no espaço Ouvillas, localizado dentro do Parque Villa Lobos na cidade de São Paulo. Ali os visitantes podem descansar em bancos e espreguiçadeiras enquanto ouvem as músicas tocadas em pequenas caixas de som.

Guiomar Novaes

Retrato em preto e branco da pianista Guiomar Novaes sorrindo
Legenda da foto,Retrato da pianista Guiomar Novaes

As apresentações musicais da Semana de Arte também foram compostas por Guiomar Novaes. A paulista é considerada por muitos como a maior pianista brasileira.

Guiomar participou do primeiro dia de apresentações. O desejo dos modernistas era que ela tocasse as paródias que Erik Satie fez das obras de Chopin, mas ela se recusou. Por fim, ela apresentou sucessos de Debussy, Blanchet e Villa-Lobos. É possível ouvir gravações da pianista tocando essas obras no Spotify, Deezer, Apple Music e YouTube.

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