Por Sérgio Rodas, da ConJur, compartilhado de Jornal GGN –
Segundo especialistas, juiz Rudson Marcos demonstrou parcialidade em favor do réu, por isso, a audiência e a sentença que absolveu Aranha devem ser declaradas nulas
Ao intervir poucas e tímidas vezes durante os ataques do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende o empresário André de Camargo Aranha no processo em que é acusado de estupro de vulnerável, à influencer Mariana Ferrer, o juiz Rudson Marcos demonstrou parcialidade em favor do réu. Por isso, a audiência e a sentença que absolveu Aranha devem ser declaradas nulas. É a opinião de professores ouvidos pela ConJur.
Na sessão, Rosa Filho questionou as fotos sensuais de Mariana, afirmou que ela usava o caso para se promover no Instagram e disse que “jamais teria uma filha do seu nível”. Nesses momentos, o juiz fez intervenções tímidas ou não se pronunciou. O promotor de Justiça não se manifestou.
Para professores, o fato de o promotor não ter se manifestado e o juiz deixado o advogado ofender Mariana Borges Ferreira, fazendo poucas intervenções, demonstra que eles são suspeitos para atuar no processo. Sendo assim, a audiência e a sentença que absolveu Aranha de estupro de vulnerável devem ser consideradas nulas.
Em sua coluna na ConJur, o jurista Lenio Streck afirma que o vídeo da audiência “dá inveja aos filmes trash americanos sobre júri” e deixa claro que juiz e promotor não são imparciais no caso.
“Advogado do réu humilhou a vítima. Foi estupro moral. E, por terem visto tudo aquilo e nada terem feito, juiz e promotor se tornaram suspeitos. Porque, ao nada fazerem para impedir o massacre da vítima, concordaram por omissão — provavelmente porque já tinham formado seu ‘livre convencimento’ de que o réu deveria ser absolvido. Juiz não é responsável pela audiência, afinal? Assim, a sentença jamais poderia ter sido exarada por esse juiz. Nem as alegações poderiam ser feitas pelo promotor. Simples assim.”
Por presidir a audiência, o juiz deve velar pela legalidade, legitimidade, regularidade e dignidade. Assim, quando “Rosa Filho ultrapassa todos os limites, ferindo a dignidade de Mariana enquanto pessoa”, Rudson Marcos deveria ter imediatamente interrompido a sessão, aponta Victória-Amalia de Sulocki, professora de Direito Penal e Direito Processual Penal da PUC-Rio. Como não o fez, destaca, a audiência e todos os atos posteriores — incluindo a sentença — são nulos.
“Não dá para separar a sentença do que ocorreu naquela audiência. Como a sentença pode ter legitimidade, e até mesmo imparcialidade, se ela decorre do todo que está nos autos? Inclusive a sentença sequer relata o que aconteceu na oitiva de Mariana, demonstrando que este fato tão impactante é considerado ‘normal’”, diz a docente, ressaltando que se trata de uma decisão “contaminada pela cultura machista presente no Poder Judiciário”.
A professora de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Marcela Miguens avalia que não só a audiência e a sentença são nulos, mas todo o processo. “Ao permitir que a vítima fosse sujeitada a este tipo de inquirição, o juiz demonstra sua predisposição, comprometendo a imparcialidade e se tornando suspeito. A suspeição dá causa à nulidade do processo, considerada desde o primeiro ato de intervenção do juiz suspeito.”
De acordo com Marcela, “o constrangimento e a humilhação” promovidos pelo advogado “retratam o escrutínio a que é submetida uma mulher que sofre violência de gênero, especialmente a violência sexual”. “No caso, Mariana Ferrer é livremente ofendida, tem sua vida pessoal exposta e submetida a juízos morais, carregados de misoginia, que não possuem qualquer relação com a violência sexual que se pretendia apurar.”
Investigações das condutas
A enorme repercussão fez com que a OAB de Santa Catarina informasse já ter encaminhado um ofício a Rosa Filho pedindo informações preliminares para prosseguir na apuração do caso.
O Conselho Nacional de Justiça também se mobilizou: o conselheiro Henrique Ávila pediu apuração sobre a conduta do juiz Rudson Marcos, por não ter impedido o advogado de humilhar a blogueira.
O mesmo foi dito sobre o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, e o Conselho Nacional do Ministério Público esclareceu que já estava com um procedimento aberto de investigação desde outubro.
Regras já existem
O procurador-geral de Justiça de Santa Catarina, Fernando da Silva Comin, enviou ao presidente Jair Bolsonaro e aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma proposta de alteração do Código de Processo Penal e do Código Penal.
O objetivo é aumentar a proteção à dignidade das vítimas de crimes sexuais. A sugestão do MP-SC é proibir perguntas e referências relativas à experiência sexual anterior da vítima, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se com outras pessoas.
Marcela Miguens ressalta que a legislação já obriga o magistrado a assegurar a dignidade das partes. “Ao juiz já são impostos deveres éticos, como uma atuação que garanta a proteção da dignidade humana, que não represente discriminação injusta ou arbitrária, o dever de cortesia em relação aos sujeitos do processo e a vedação de qualquer conduta que indique predisposição ou favoritismo.”
Victória-Amalia de Sulocki também afirma que a proteção à vítima e à sua dignidade são regras de ética profissional. O que é preciso, em sua visão, é mudar a cultura machista que vigora no Brasil.