Sete bares em 93 passos

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Compartilhado de Projeto Colabora

Travessas, na definição urbana, são ruas bem pequenas, transversais entre outras duas vias – começa em uma, acaba na outra, sem qualquer entrada ou saída a mais. Nos primeiros anos do século passado, a Travessa do Guedes ligava duas ruas batizadas na década anterior: Senador Vergueiro (antes, Caminho Novo de Botafogo) e Marquês de Abrantes (Caminho Velho de Botafogo); creio que a história não registra quem era o Guedes, mas a pequena travessa, de menos de 100 metros de extensão, era ladeada por chácaras. A urbanização acelerada do hoje bairro do Flamengo não mudou seu formato ou comprimento. São precisos apenas 93 passos (dos meus que não são lá muito largos) para cruzar a Travessa dos Tamoios, seu nome atual. Mas, neste caminhada curta, de menos de cinco minutos, é possível parar em sete bares – talvez a maior concentração, para uma travessa, nesta cidade de São Sebastião.




Tamoios, ao contrário do que muitos pensam, não eram um povo indígena, que desapareceu, dizimado pelos portugueses. Chamou-se Confederação dos Tamoios a união de etnias indígenas – tupinambás, aymorés, goytacazes, todos ainda com remanescentes no Século 21, apesar dos mais de 500 anos de massacres e perseguições – formada para, em aliança com franceses, enfrentar os colonizadores portugueses, antes mesmo da fundação do Rio de Janeiro. Mesmo após a expulsão dos franceses, a aliança indígena resistiu mais um tempo aos ataques portugueses. Resistência também parece combinar com a Travessa dos Tamoios. Dos sete bares da ruazinha, três abriram as portas em plena pandemia; outro ampliou seus domínios.

O Bambi com sua TV e as mesas na calçada: decano dos sete bares nos 93 passos da Travessa dos Tamoios (Foto: Oscar Valporto)
O Bambi com sua TV e as mesas na calçada: decano dos sete bares nos 93 passos da Travessa dos Tamoios (Foto: Oscar Valporto)

Tamoios, em língua tupi, significava avós ou antepassados. Por isso, minha primeira parada na travessa foi no decano dos seus bares, certamente o mais barato e com mais jeito de boteco: o Café e Bar Bambi tem uma TV enorme, permanentemente ligada em esportes, que faz do lugar ponto de encontro de torcedores de todas as matizes. O bar foi fundado em 1966; colocaram a primeira TV na Copa do Mundo de 1982 e as transmissões esportivas – futebol à frente, naturalmente – passaram a fazer parte da tradição. É um botequim com cara – e cardápio – de botequim: cerveja nacional, espetinhos, batata frita, frango à passarinho, pastéis.

Na travessa, tem televisor até em bar especializado em vinhos. A três portas do Bambi, o Kamaleón – que, na França, seria classificado de bar à vin – serve vinhos em taça ou em garrafas que você pode escolher na prateleira. O lugar é pequeno, com duas ou três mesas na calçada; as tapas são poucas e boas para acompanhar os vinhos. O Kamaleón fecha o bloco dos bares do começo da travessa. Mais uns 60 passos, chega-se ao outro bloco, bem próximo da Marquês de Abrantes, onde as coisas mudam do vinho para a cerveja porque resiste ali, já há algum tempo, o Rio Tap Beer House, aquele que dobrou de tamanho na pandemia. A carta de cervejas – mais de 100 variações – é maior que o cardápio de vinhos da outra ponta da travessa. Difícil provar menos de três – e ainda tem chope. A TV estava ligada em canal de surfe, sem som para não atrapalhar a trilha sonora de rock and roll.

Rio Tap Beer House na Travessa dos Tamoios: cardápio com mais de 100 rótulos de cerveja (Foto: Oscar Valporto)
Rio Tap Beer House na Travessa dos Tamoios: cardápio com mais de 100 rótulos de cerveja (Foto: Oscar Valporto)

O Rio Tap fica entre dois bares abertos na Travessa dos Tamoios durante a pandemia. O Deza, mais longe da esquina, abriu em dezembro. O nome Deza, na verdade, é para lembrar Desacato, bar dos mesmos proprietários, com boa fama boêmia na Conde de Bernadote, rua do Leblon também com tremenda concentração de bares (mas isso é para outro dia). Bolinhos de tapioca, pasteis, caldinho de feijão: especialidades do antigo bar permanecem nessa versão menor – no nome e no tamanho. Não resisti e ataquei a Rabada na Lata, prato vencedor, no antigo Desacato, do Comida Di Buteco 2019, pré-pandemia: vale cada garfada.

Do outro lado das cervejas, temos, no cardápio, um casa portuguesa, com certeza, apesar da decoração ser de botequim carioca mesmo. O Balaio do Zé é uma tentação. Fui lá duas vezes e ainda não consegui chegar nos pratos principais: fiquei nos bolinhos de alheiras, nas pataniscas e punhetas de bacalhau, no vinagrete de polvo, no pastel de camarão. O paladar atesta que é preciso voltar para testar os pratos principais do cardápio que tem alheira grelhada, polvo à lagareira e outras promessas.

Depois de passar por esses três bares, a travessa te leva à esquina com a Rua Marquês de Abrantes (um dia, Caminho Velho de Botafogo), para encontrar o Boteco Rio’s Soccer (outrora chamado Boteco do Pires) que, apesar do nome e das duas TVs, leva como marca a música. Tem música ao vivo todo dia no Rio Soccer – aliás o Balaio do Zé e Kamaleón, às vezes, também têm. Na maioria dos dias, as apresentações são do tipo banquinho e violão, sem nada muito especial para guardar na memória. Mas a roda de choro – segunda-feira, depois das 19h – é das melhores da cidade.

São 93 passos, mas há atrativos esparramados pelas calçadas para quase todos os gostos, o que pode tornar essa jornada pela Travessa dos Tamoios bem mais demorada do que cinco minutos.

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