Sete dias para lutar, quatro anos para aprender

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Por Fernando Horta, publicado em Jornal GGN – 

Foram cinco, na realidade. Cinco anos que tentaram nos colocar goela abaixo que o individualismo é a chave do sucesso. Esforço, levantar cedo, não dar bola para política, odiar sindicato, manifestação e ciclovia. Cinco anos ensinando que democracia não serve, político “é tudo ladrão”, a iniciativa privada vai salvar todo mundo e o nazismo é de esquerda. Cinco anos que começaram com o chamamento para os “protestos cavalo-de-Tróia” de 2013. Aqueles protestos “apolíticos” em que as bandeiras eram agredidas como criminosas.

Qual o resultado de tudo isto?




Retiraram do poder uma presidenta honesta, prenderam um ex-presidente sem provas, colocaram um desqualificado para controlar o país que comprou um Congresso eivado de processos, bíblias e milionários. Sempre com ajuda e o beneplácito de juízes e ministros que parecem adolescentes deslumbrados se vendo em filmes de super-heróis. Economicamente, o país voltou aos anos 90. Socialmente talvez estejamos nos 60, e politicamente nossas discussões estão entre os anos 30 e 40 do século passado.

Este transe histórico que nos meteram permitiu que multidões fossem às ruas defender o fim da democracia. Que se calassem quando corruptos e mal-intencionados lhes retiravam direitos e condições de vida, ao mesmo tempo que direcionavam o ódio das massas para temas completamente estapafúrdios como apresentações de teatro, museus, CPI de pedofilias que acusavam inocentes e rezas com “glória a deus” organizadas por pastores milionários e fiéis pobres.

Foram cinco anos de uma grande viagem de LSD, em nível nacional. Com efeitos de trocas de cores, sons, desorientação espacial e temporal. Pessoas lutando contra o comunismo na bandeira do Japão, contra a ameaça soviética e os terroristas da “Al-Jazeera”. O demônio também teve trabalho. Nunca visitou tanto fiel em culto neopentecostal para ser expulso pelo paletó ou o salto alto da “ministra”.

Cinco anos de idiotias e imbecilidades embalados por uma mídia monopolista e canalha. Eram capas de revista inteiras com notícias falsas, juízes liberando gravações de audiências sigilosas em tempo real e procuradores gordinhos, corados e milionários ameaçando “greve de fome” para sustentar argumentos jurídicos pífios e vis.

O resultado disto não é bonito. O antintelectualismo cresceu, blogueiros e youtubers passaram a dar pitaco em tudo, de dietas e emagrecimento à política e economia. Professores e acadêmicos foram deixados de lado e a sociedade achou que poderia caminhar cega e bêbada guiada “por deus” e pelo ódio. Mais mulheres mortas e agredidas, violência de gênero explodindo, policiais achando que estão no velho-oeste norte-americano, e o cidadão comum “empoderado” a espancar pessoas na rua e amarrar crianças em postes para serem agredidas.

Neste cenário, é preciso frisar, o tempo todo a ex-presidente do STF vinha a público – como uma diva sob efeito de psicotrópicos em danceterias dos anos 80 – dizer que “as instituições estão funcionando”.

Em 2018, começou a “bad trip”.

Primeiro, os caminhoneiros foram obrigados a uma “greve selvagem”. O termo “greve selvagem” é usado quando a paralização não tem um caráter estratégico político, mas de sobrevivência de um grupo de trabalhadores. A greve dos caminhoneiros não era contra o partido A ou B, era pela sua sobrevivência. A política de preços da Petrobrás, entregue para os acionistas e para os interesses estrangeiros, estrangulou a vida de milhares de trabalhadores. E eles mostraram que a união, as greves e as manifestações são necessárias e essenciais. Caía o véu do individualismo, da não-necessidade dos sindicatos e da criminalização dos protestos sociais.

O Brasil começava a acordar.

Depois, ficou cada vez mais evidente o caráter ilegal, político e inaceitável das ações contra Lula. E quando se pensava que o ápice da covardia e vilania tinham sido Moro e os três de Porto Alegre, eis que surge Thompson Flores e, mais recentemente, Fux. Todos a rasgarem os códigos e constituições e constituírem-se em bulinadores judiciais. Valentões de colégio que fazem as coisas quando e porque querem. E mandam todos e qualquer um à puta que o pariu. Porque podem.

Diante deste cenário surreal, a presidente do STF continuava divagando e em transe enquanto generais, tanto os de pijama quanto os de ferraduras, achavam que entre loucos e desqualificados, melhor então um governo verde-oliva. Falou-se em “constituição sem povo”, em “autogolpe” e outras tantas ignorâncias. Na última semana, um juiz – em conluio com o partido fascista brasileiro e seu candidato flatulento – pretendia dar a estocada final e aprender as urnas eletrônicas. A manobra certamente seria usada para um golpe de Estado, que ainda não está longe de acontecer.

Homens brancos, ricos, com nível superior são os principais apoiadores destas imbecilidades. Muitos deles já não se constrangem em serem violentos, autoritários, sádicos e ignóbeis nos seus espaços privados. Chamam isto de “macho-alfa”. E quem contesta apanha. Por enquanto, pois há a promessa de que eles receberão armas.

O último e derradeiro baque neste país desandado, desconectado da realidade e completamente em surto foi o movimento selvagem das mulheres, no dia 29. Digo selvagem para usar a mesma razão da greve dos caminhoneiros. O movimento das mulheres contra o fascismo e contra #eleNão não é um movimento articulado, pensado e estratégico. É um urro de dor, e a última tentativa de sobrevivência. Mulheres estão sendo espancadas, mortas, estupradas, cegadas, tendo mãos cortadas, sendo queimadas, atropeladas, tendo seus filhos mortos e tudo isto pelo simples fato de serem mulheres. Vejam que fascistas brasileiros, mesmo no exterior, se acham no direito de espancar suas companheiras e dizem que o fazem porque “elas são mulheres e tem que aguentar”. O empoderamento da ignorância não tem fronteiras num mundo de youtubers machistas e ignorantes a receberem dinheiro do vice-governo.

Não cometemos o erro de 2013. Os protestos foram todos embandeirados. Ao invés de “nenhuma bandeira”, pediram-se “todas as bandeiras”. Ao invés de excluir a política, o protesto abraçou o Brasil, como há muito ninguém fazia por este país que, de repente, ficou carente de tudo. Carente de recursos financeiros, mas também carente de bom senso, de empatia, de respeito, de leis e de tudo o que pudesse dar um mínimo de conforto aos nossos cidadãos.

Eu marchei carregando minha filha e ao lado de minha esposa. O grito delas ecoará nos tempos e nos fará um país melhor.

Eu marchei carregando minha filha para que ela possa ter voz quando eu não tiver mais forças e nem seja necessário mais carregá-la.

Eu marchei num dia histórico. O dia em que o Brasil acordou para o fato de que são os compromissos coletivos (e não os esforços individuais) que nos fazem melhor.

Temos sete dias para retomar o país. Sete dias para vencer o fascismo. Sete dias para seguir gritando, como elas gritaram, “#eleNão.

Sete dias para mostrarmos o que aprendemos nos últimos cinco anos, e para que nos próximos quatro o Brasil volte à razão.

A luta continua, estamos levantando, sacudindo a poeira e dando a volta por cima.

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