Por Marcelo Auler, compartilhado de seu Blog –
Jair Bolsonaro dá sinais de desespero. Sentindo-se encurralado, sitiado, recorre às ameaças, mesmo sabendo que não tem poderes para concretiza-las. Como sugerir um Estado de Sítio, na expectativa de governar com medida drástica, que permite ao Executivo restringir direitos constitucionais.
Boquirroto, no desespero fala o que não poderá cumprir pois para adotar o regime especial previsto na Constituição para casos bem específicos, dependerá da aprovação do próprio Congresso Nacional. Como se não bastasse, estará sob o julgo do Poder Judiciário.
Não se trata de apostar que as instituições brasileiras estão funcionando e respeitarão o Estado Democrático de Direito. Afinal, as experiências recentes mostraram que nem sempre foi assim que a banda tocou. Mas não é crível imaginarmos que Congresso e Judiciário avalizarão uma tentativa de golpe em plena crise sanitária, com cerca de 3.000 mortes diárias, remédios e oxigênio faltando em diversos pontos do país, sem perspectiva do único imunizante capaz de combater a epidemia – as vacinas – que não foram adquiridas a tempo hábil por causa do negacionismo do presidente. Não há como imaginar que aceitarão empoderar aquele que não só demonstra, dia após dia, ser incapaz de comandar o país nessa crise como ainda joga a favor do vírus. Como lembrou o governador do Piauí, Wellington Dias, é necessário justamente o inverso: “Isolar quem trabalha a favor do vírus“.
Nem mesmo os políticos ligados ao Centrão que ajudaram Bolsonaro eleger os presidentes da Câmara e do Senado e vivem correndo atrás de cargos e benesses parecem dispostos a permanecer nesta embarcação que trafega sobre mais de 300 mil cadáveres. Grande parte dessas mortes é culpa direta da incúria e despreparo do governo federal. Resultado sim de uma política genocida. Mas não são apenas os políticos do Centrão que abandonam o barco bolsonarista. Há aliados de oportunidade nas últimas eleições, como os atuais governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Estes, diante da caótica situação que presenciam e tentam administrar em seus estados, já deram as costas ao que fala o presidente, ainda que sofrendo críticas de alguns de seus eleitores.
Máscara e globo terrestre, meros disfarces
Enganou-se quem imaginou que, acossado pelo descontrole da pandemia com este excesso de mortes acontecendo e até mesmo pelo discurso lúcido e claro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendendo o óbvio e demonstrando como deve agir o líder de uma nação, levariam Bolsonaro a mudar de posição. O faria sair do negacionismo. O uso eventual de máscara e o globo terrestre em cima da mesa da sua live foram meros disfarces.
A malfadada escolha de Marcelo Queiroga como ministro da Saúde – indicado por Flávio Bolsonaro, o filho 01 – e a iniciativa de recorrer ao Supremo Tribunal para tentar frear/atrapalhar o trabalho de governadores, alguns até então aliados, demonstra que ele não mudará. O novo ministro chegou dizendo que veio para continuar o que tem sido feito, ou seja, trocaram seis por meia dúzia. Com isto, desagradaram aos políticos do Centrão, a começar pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) que defendia uma mudança efetiva na política da saúde, através da cardiologista Ludhmila Hajjar. Outra prova concreta de que Bolsonaro não muda foi a comemoração do aniversário no domingo (21/03), aglomerando seguidores, em pleno luto de cerca de 300 mil famílias cujos entes se foram com a Covid.
Aliás, no dia do seu aniversário o presente que Bolsonaro recebeu não foi nada agradável. As próprias manifestações de seus aliados com desfiles e aglomerações em Brasília e no Rio de Janeiro, antes de serem uma demonstração de força – o grupo reduz-se a cada aparição – serviram mais como comprovação de que o radicalismo permanece.
Um radicalismo que não se pode mais levar em conta, pois soa como promessas vazias. Da boca para fora. Mesmo quando feitas em forma de ameaças. Tal e qual o vídeo que circulou com supostos paraquedistas em marcha na Barra da Tijuca (Rio), em que um deles ameaça quem for a favor do impeachment. Algo idêntico à verborragia utilizada pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), nos ataques que desferiu contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Preso na mesma noite em que postou o vídeo (16 de fevereiro) ao ser levado perante um juiz, mudou o discurso. Amarelou. A valentia desse povo tem se demonstrado apenas virtual.
Os milicianos que o bolsonarismo tem arregimentado, ainda que apareçam em grupos menores, continuarão dando a cara em manifestações e ameaças. Mas serão vencidos, pela própria realidade que negam, como ocorre com o líder deles. O aparecimento deles no domingo simplesmente mostrou à maioria da população que o radicalismo domina e continuará dominando os seguidores do presidente. Ainda que mereçam atenção, não podem causar paralisação por medo. Se não é possível descuidar, eles não devem ser superdimensionados.
Mas o presente de grego foi concreto: a “Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia – O País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo” na qual mais de 200 economistas, banqueiros e empresários, enfim, personalidades do chamado “mercado” dão um ultimato ao presidente, sem mencionarem seu nome diretamente. Um documento na contramão de tudo o que pensa e fala Bolsonaro, defendendo, inclusive, o lockdown. Ou seja, defendem o óbvio, tudo aquilo que vem sendo negado desde o início pelo presidente:
“Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive.“