Por Luciano Velleda, publicado em Rede Brasil Atual
Em visita ao Brasil, a ex-ministra da Justiça da Alemanha (1998-2002) Herta Däubler-Gmelin declarou hoje (10) que o atual momento político do Brasil está sendo registrado “de modo insuficiente” em seu país. Durante sua estada em São Paulo, ela revelou estar recebendo informações de que antes não tinha conhecimento.
“A tentativa de redução da pobreza, de democratizar o acesso à educação, de inclusão social e uma série de agendas de direitos humanos… O fato de que isso não vale mais deveria ser mais bem informado na Alemanha”, afirmou, se referindo a pautas que até poucos anos atrás deram destaque ao Brasil no exterior.
Professora de Ciência Política na Universidade Livre de Berlim, Herta disse ter ficado surpresa em comparar a realidade que está vendo do Brasil, com redução de direitos, em comparação com o relatório apresentado pelo governo de Michel Temer, na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em maio, em Genebra.
“Como o governo apresentou aquele relatório?”, questionou, durante entrevista concedida nesta quinta-feira ao programa Encontros na Escola de Contas, promovido pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo, com o tema “Órgãos de controle na democracia”.
A ex-ministra enfatizou a necessidade de o Estado atuar como promotor do bem-estar coletivo. “A inclusão deve ser garantida. Se quisermos viver numa sociedade que não se destrua pelo ódio, nós precisamos de inclusão. Na sociedade neoliberal, que se importa mais com o bem-estar individual, isso não tem vez”, defendeu.
Advogada em seu país, ela disse ainda ter se espantado com as declarações e o envolvimento de juízes da Suprema Corte nos temas da disputa política nacional. “Na Alemanha, esse papel não cabe aos juízes. Se os juízes se mostram contrários a uma parcela da política, isso é danoso e contribui para a destruição do consenso que uma sociedade precisa.”
Segundo ela, a sociedade alemã tem uma visão muito ética do papel dos juízes e eles de si próprios. Como consequência, afirmou, isso significa que não há juízes do Tribunal Constitucional (equivalente alemão ao Supremo Tribunal Federal) que se intrometem na política. “Isso não é tolerável”, disse. Na avaliação da ex-ministra, tal comportamento contribui para que a Suprema Corte alemã tenha credibilidade perante a população.
Corrupção, mídia e democracia
A uma pergunta sobre como o tema da corrupção é tratado na Alemanha, Herta disse que, em seu país, a atenção e o foco de combate é maior com o setor privado. “A política e os governos são muito mais controlados pela esfera pública”, explicou. Na Alemanha, ela diz, se um presidente é acusado de corrupção, por exemplo, ele imediatamente renuncia.
Para ela, a Alemanha age de forma enérgica no combate a corrupção, tanto do ponto de vista penal como administrativo, incluindo mecanismos de prevenção e regras de compliance na esfera pública. “Não foi fácil, mas é um processo.”
Mesmo sem entrar em detalhes na análise da Operação Lava Jato e outras investigações em curso no Brasil, a ex-ministra da Justiça da maior economia europeia não se absteve de opinar sobre a polêmica em torno das delações premiadas. Para ela, investigações com base apenas em delação de pessoas presas e que, portanto, querem sair da prisão, não podem ter força de prova. “É muito frágil.”
Ao citar a evolução da democracia na Alemanha desde o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), Herta disse que esse processo não foi natural. “Os alemães não são melhores do que os outros no sentido da democracia, não aderiram naturalmente ao processo dos direitos”, afirmou. Ela lembrou que, em 1969, ano em que se graduou em Direito, a Constituição alemã de 1948 ainda tinha dificuldade em ser aplicada.
Naquela época, o Judiciário seguia aplicando o código civil antigo. “Escreveu-se uma Constituição bela no papel, uma boa base, mas que ainda dependia ser aplicada pelos governantes. Na Alemanha costumamos dizer: ‘o papel é paciente'”, disse.
O papel da imprensa na democracia foi comentado pela professora da Universidade Livre de Berlim. “Não creio que a democracia possa funcionar bem se não houver mídias que informem diferentes pontos de vista”, afirmou. “É perigoso quando quando estruturas de poder são transferidas para grupos de comunicação que apresentam somente os seus interesses.”
A ex-ministra da Justiça reiterou que o respeito aos princípios da Constituição e que a lei vale para todos é que deve garantir tanto o equilíbrio entre poderes como o funcionamento de uma sociedade. “O poder não pode ser descontrolado. Deve ser exercido no âmbito da Constituição, com limites controlados. Isso vale para o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Vale para todos.”