“Só perdemos uma eleição. Apenas uma eleição. Nossos sonhos continuam valendo.”

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Roberto Tardelli, pelo Facebook –  

Perdemos. Tomamos uma goleada. Perdemos com os votos dos mais ricos e dos mais pobres. Perdemos. Estamos com a cabeça inchada e ouvindo os rojões tucanos nos céus da cidade. Buzinaço tucano. Entrevista com o candidato tucano vencedor, ensaiando uma humildade que treinou no espelho.

Os amigos estão perplexos. São, na maioria, mais jovens e viveram os tempos de glória da esquerda no país, com quatro eleições presidenciais vitoriosas. Sou de outro tempo: sou de uma época em que comemorávamos como um gol a eleição de um único vereador, um único deputado, perdido, isolado, que “marcava posição” e que normalmente era um sucesso de crítica nos debates de esquerda.




Lembro-me da existência de um partido oficial, a ARENA, que dava banhos de votos, os carros circulavam pelas ruas, sem ar condicionado, com platinado e tudo, ostentando um adesivo, BRASIL, AME-O OU DEIXE-O, majoritário amplamente. A esquerda tinha tão poucos representantes que havia um certo charme cult em ser amigo do cara da esquerda.

O discurso era o de sempre, a necessidade de preservação da ordem pública. Que era preciso mais polícia na rua, Maluf eternizou o ROTA NA RUAS, enchia um caminhão de votos só por isso. Resgatar os valores da família, seja lá o que fosse ou que for isso, rendia outros caminhões de votos, bem como jurar resgatar o respeito às leis e às instituições, derrotar o comunismo, garantir o direito das famílias de bem em andar pelas ruas. A palavra meritocracia só veio bem mais tarde.

Esse discurso voltou a penetrar na vida e na mente das pessoas. Claro, uma acusação seletiva ajudou muito, mas quem ganhou, venceu com o maior dos cabos eleitorais, o medo. Medo comum de pessoas comuns, honestas, trabalhadoras, que passam noventa por cento do dia preocupadas com as contas do mês. O cara tem um carrinho financiado, mas culpa o governo PT pelo valor da prestação e por aí vamos.

As pessoas não aceitam tão facilmente quebras de paradigmas, como o tratamento acolhedor de dependentes químicos, que, não faz muito, iam, sim, para o xilindró. Uniões homoafetivas chocam nossa moral católica e religiosa e associamos isso à quebra da unidade familiar. Faixas exclusivas de ônibus que transportam empregados e pretos, com primazia sobre os carros dos patrões, causam embrulhos de estômago de quem precisa acordar cada vez mais cedo para chegar ao trabalho, enquanto a faxineira passa por ele na faixa exclusiva do busão. Ciclovias são charmosas em Amsterdam, mas lá, não aqui. Limitar a velocidade no carrão a terríveis cinquenta, é motivo de ira santa. Essa coisa de cotas raciais é colocar o crime organizado dentro da Administração Pública, é baixar o nível das universidades, é comprometer o projeto de poder.

Havia motivos para vingança, que veio a cavalo. Churchill perdeu. Bush foi eleito pelos votos americanos, enfastiados de ovos com bacon. A ARENA voltou, velha e renovada, velha e repaginada dela mesma, velha e propondo os mesmos medos históricos que nos atrasam atavicamente.

Nós, a turma da esquerda, como sempre vamos continuar a sonhar, vamos continuar a prestigiar nossos poucos eleitos como se fossem muitos – e serão. Vamos continuar a propor um Brasil mais solidário, mais igual, mais fraterno, mais pluralista, mais acolhedor, vamos continuar a combater preconceitos, vamos continuar a combater estereótipos, inclusive os nossos. Vamos continuar a apanhar da tropa de choque.

São mais dois anos. Até lá, nos ajuntaremos de novo. Só perdemos uma eleição. Apenas uma eleição.
Nossos sonhos continuam valendo.

Beijos a todos.

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