“Só vi coisa semelhante com o que aconteceu a Jango”, diz Maria Aparecida Aquino

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Por José Eduardo Bernardes, em Brasil de Fato – 

Para a historiadora e professora da USP, presidenta “se recuperará e voltará a agir”

Historiadora analisa que ausência de mulheres no governo Temer é "pensamento atrasado, retrógrado e machista". - Créditos: Reprodução/ Youtube
Historiadora analisa que ausência de mulheres no governo Temer é “pensamento atrasado, retrógrado e machista”

A presidenta Dilma Roussef foi afastada na manhã desta quinta-feira (12), após votação favorável a abertura do processo de impeachment no Senado Federal (foram 55 votos favoráveis e 22 contrários). Após pronunciamento oficial no Palácio do Planalto, Dilma fez questão de falar com os manifestantes que lhe esperavam do lado de fora do Planalto.

Em seu discurso se disse triste, mas ressaltou que o contato com os manifestantes lhe dava força para seguir em frente. “Eu tenho aqui junto com vocês  um calor, uma energia e um carinho, que me dão um momento de alegria”.




Para a historiadora e professora da USP, Maria Aparecida Aquino, “uma mulher que passou quatro anos presa e sendo torturada, não é uma pessoa que renuncie”. “Ela passou por um baque, talvez um dos maiores que um governante pode passar. Mas acredito profundamente em sua força, ela se recuperará e voltará a agir”.

Maria Aparecida ressaltou que “durante todo esse tempo, desde o 1 de janeiro de 2015, quando a presidente Dilma assumiu, existe uma tentativa, sem tréguas, de degradação” de sua figura. A professora destacou que mesmo fora da presidência, Dilma retomará sua luta “como ser humano digno que foi e uma mulher que nunca negou participar de todas as lutas, mesmo no regime militar, quando lutar custava a vida”.

Aquino destacou também que o governo de Michel Temer “já começou mal”. “Se você pensar em guerra, ninguém, nem sequer aliados, suporta traidores e Temer traiu deliberadamente, vem conspirando a muito tempo”.  Sobre a ausência de mulheres nos ministérios formados por Temer, Aquino acredita que esse é “um retrocesso dos mais terríveis que nós tivemos”.  É “um pensamento atrasado, retrógrado e machista”, afirma a historiadora.

Confira alguns trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Como a presidenta Dilma sairá desse processo?

Maria Aparecida Aquino: Dilma é uma pessoa por quem eu tenho grande admiração. Uma mulher que passou quatro anos presa e sendo torturada, não é uma pessoa que renuncie. Ela passou por um baque, talvez um dos maiores que um governante pode passar e por isso, é óbvio que ela está alquebrada e com grandes dificuldade de reagir, como certamente ela reagiria. Desde o dia 1 de janeiro de 2015, quando a presidente Dilma assumiu, existe uma tentativa, sem tréguas, de degradação da figura da Presidência da República. Eu só vi coisa semelhante com o que aconteceu a João Goulart.

Mas acredito profundamente em sua força, ela se recuperará e voltará a agir, talvez não mais como presidenta, mas como ser humano digno que foi e uma mulher que nunca negou participar de todas as lutas, mesmo no regime militar, quando lutar custava a vida. É importante que ela e também o presidente Lula, estejam presentes nas próximas manifestações. Eles são absolutamente fundamentais para rearticular a esquerda brasileira e acredito que o farão.

Como será o governo de Michel Temer? Ele terá respaldo da população?

O governo do interino começa mal. Se você pensar em guerra, ninguém, nem sequer aliados, suporta traidores e Temer traiu deliberadamente, vem conspirando a muito tempo contra aquela que é a presidenta da República. Ele é apenas um vice e que não tem votos. Nós já tivemos no Brasil constituição que permitia que vice tivesse votos, era o caso de João Goulart. Então ele não tem o respaldo das ruas. A escolha dos ministros foi um espetáculo degradante e a sua dificuldade para compor os ministérios, nos dá a demonstração do que será o governo Temer.

A população vai sentir muito com o governo Temer. Vai ser uma afronta a tudo que nós conseguimos e perder conquistas sociais é impensável para o povo brasileiro. Temer acha que resolverá os problemas do Brasil com Henrique Meirelles [ministro da Fazenda]. Não resolveu com Fernando Henrique (Cardoso), as táticas neoliberais não resolveram. O Brasil só foi recuperar o seu crescimento com uma política implementada pelo ministro Guido Mantega.

E todo mundo sabe que ele não mexerá no bolso dos ricos, ninguém vai mexer nas grandes fortunas e de onde ele vai tirar despesas? Penalizando os trabalhadores, abaixando salários. Mas vivemos numa situação diferente daquela de 54, me parece que parte da população acordou, talvez um pouco tarde, mas acordou. Então não me parece que a população não vai aceitar isso com tranquilidade.

O que significará a ausência de mulheres em cargos de primeiro escalão do governo Temer? 

Isso pode significar, na realidade, um retrocesso dos mais terríveis que nós tivemos. O fato de você não ter ministras mulheres é representativo porque em todos os países do mundo, nós estamos vendo que as mulheres estão assumindo o papel que efetivamente elas merecem. Representa um pensamento atrasado, retrógrado e machista, como se mulheres não tivessem vez, nos ministérios de um presidente, que se pretende, resolver os problemas do país.

A presidenta Dilma Roussef deve permanecer no Palácio da Alvorada durante os 180 dias de afastamento? Existe alguma possibilidade de judicialização do processo de impeachment depois dessa decisão do Senado?

O rito de impeachment já tem um cronograma mais ou menos fixado. O julgamento será comandado pelo STF, muito provavelmente pelo ministro Ricardo Lewandowski e todos os membros do Senado participam. Haverá direito tanto da acusação, como da manifestação da defesa. Só ao fim desse processo, que é relativamente longo, que se pode dizer se a presidente será afastada, ou não.

Durante esse período a presidente mantém as prerrogativas do cargo e permanece no Alvorada, em aguardo. Ela somente seria afastada definitivamente caso esse julgamento definisse que ela é culpada. E não se pode apostar, porque o resultado de ontem, na realidade, não é assim tão largo. Para afastar definitivamente a presidente, são necessários 54 votos e ontem o placar foi de 55. Então qualquer tremor de terra, pode mudar a situação, não é tão tranquilo assim como pode parecer.

Existe sim a possibilidade de judicialização do caso daqui em diante e tudo aquilo que a Advocacia Geral da União (AGU) e que a defesa da presidente vinha fazendo, ela deve permanecer fazendo, porque lhe é permitido essas injunções.

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