Sob Bolsonaro, neonazismo disparou no Brasil

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Internet é o principal campo de disseminação de grupos e células, quase todas clandestinas e com discursos de ódio

Por PH de Noronha, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: O número de células neonazistas no Brasil saltou de apenas 72, em 2015, para 1.117 em 2022 (Foto: Agência Brasil)

A atividade de grupos e células de neonazismo no Brasil teve um crescimento grande e preocupante durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, começando já em 2018, durante a campanha eleitoral. De acordo com a antropóloga, doutora em Antropologia e professora da Unicamp Adriana Dias – que passou os últimos 20 anos monitorando de forma sistemática e científica a atividade da extrema-direita brasileira dentro e fora da internet – o total de células de grupos neonazistas saltou de apenas 72, em 2015, para 1.117 em 2022, e a maior parte desse crescimento ocorreu a partir da campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. Ao final do ano passado, Adriana já tinha mapeados 52 grupos neonazistas, com centenas de células espalhadas por quase todos os estados brasileiros.

Em uma live com o professor de História Marco Antonio Villa, em agosto de 2021, Adriana Dias contou que, quando começou a monitorar os grupos de extrema-direita no Brasil, a partir de 2004, havia um crescimento de atividades neonazistas na faixa de 8% ao ano – o que já era preocupante, pois era uma proporção maior do que o aumento da população. A partir de 2011 – ano em que o então deputado federal Jair Bolsonaro foi aclamado num ato público promovido por um grupo neonazista nos pilotis do Museu de Arte de São Paulo (Masp) – o aumento da atividade de cunho nazista no Brasil deu um salto: passou a crescer na faixa de 20% ao ano. Mas foi a partir da campanha presidencial de 2018 que a coisa ganhou proporções exponenciais, como Adriana explicou na live: “Quando Bolsonaro começou a campanha eleitoral, o crescimento era de 60% ao ano. De dezembro de 2019 até maio de 2020, foi de 158%”.

No mesmo vídeo, Adriana destaca o poder do discurso de Bolsonaro como combustível para a atividade dos grupos de extrema-direita – entre eles os neonazistas:

“É absurdo o poder da fala inflamatória do Bolsonaro sobre esses grupos. E o que é essa fala inflamatória? É a palavra de uma pessoa que os grupos percebem como uma fala poderosa e legitimada e que tem a capacidade de exponenciar o discurso. Quando Bolsonaro fala alguma coisa, os neonazistas reproduzem em suas redes. Monitorando esses grupos em mais de 30 redes sociais, percebe-se claramente como a fala de Bolsonaro é inflamatória, como se ele fosse um elemento catalisador que faz com que o processo de crescimento aconteça muito mais rapidamente”.

Vários fóruns e plataformas de games são frequentados por neonazistas para tentar cooptar jogadores jovens, e alguns eventualmente acabam virando lobos solitários, cometendo violências por conta própria

Letícia OliveiraJornalista e estudiosa dos movimentos neonazistas

A ONG Safernet, dedicada ao monitoramento de violações aos direitos humanos na Internet, também vem registrando um aumento significativo de denúncias de crimes de ódio desde a eleição de Bolsonaro, especialmente nos anos em que tivemos eleições (2018, 2020 e 2022). As denúncias recebidas pela Safernet (através de sua Central Nacional de Denúncias – CND) tiveram um crescimento anual de 195,78% em 2018, de 104,96% em 2020 e de 67,7% em 2022.

Dentre os crimes de ódio registrados pela Safernet, as denúncias específicas de neonazismo também cresceram fortemente desde a eleição de Bolsonaro: 262,1% em 2018, 740,7% em 2020 e 61% em 2021. No ano passado, porém, houve uma boa redução: menos 81%. Porém, isso não é um indício de diminuição das atividades de grupos neonazistas. Thiago Tavares, diretor-presidente da Safernet, explica: “Essa redução significa que boa parte da atividade das células neonazistas no Brasil migrou da web aberta para ambientes mais fechados, como aplicativos de troca de mensagens e fóruns na Deep Web”.

Siege mask utilizada por adolescente em ataque a uma escola em Vitória, em agosto de 2022. Foto da PM do Espírito Santo
Siege mask utilizada por adolescente em ataque a uma escola em Vitória, em agosto de 2022 (Foto: PM do Espírito Santo)

A jornalista Letícia Oliveira, editora do site El Coyote (um coletivo alternativo de informações e artigos de interesse da esquerda), há vários anos monitora e estuda movimentos neonazistas na internet. Para ela, esse número da Safernet em 2022 faz bastante sentido. Ela diz que os grupos neonazistas nos últimos anos vêm migrando de plataformas mais abertas, como Twitter e Facebook, para outras que não aparecem nas pesquisas do Google, notadamente os grupos no Telegram (também fartamente usados pelos bolsonaristas) e no Discord, um site desenvolvido originalmente para gamers onde é possível criar grupos fechados que são muito difíceis de serem monitorados. Letícia acrescenta que as plataformas Session, Element e Wire também vêm sendo utilizadas pelos neonazistas e que há grupos que continuam na Deep e na Dark Web, áreas sem regulamentação, quase que uma internet clandestina.

Mas, apesar dessa redução nos crimes neonazistas denunciados, os números da Safernet apontam que o conjunto de crimes de ódio cresceu 67,7% em 2022. E os três crimes com as maiores taxas de crescimento – xenofobia (874%), intolerância religiosa (456%) e misoginia (251%) – são práticas de ódio que mantêm forte relação com a ideologia nazista, muito embora os dados não permitam dizer que esses crimes tenham sido praticados por nazistas brasileiros.

Letícia afirma que o crescimento dos grupos neonazistas continua de forma regular e que isso é visível tanto em seu trabalho de monitoramento quanto nas últimas pesquisas de Adriana Dias.

O grupo Atomwaffen Division, em imagem divulgada em suas redes sociais
O grupo Atomwaffen Division, em imagem divulgada em suas redes sociais (Foto: Reprodução)

Submundo do ódio

Os grupos neonazistas brasileiros integram um universo político de extrema-direita bastante extenso e muito pouco conhecido do grande público. Eles atuam quase sempre de forma clandestina, em ambientes fechados dentro de diferentes plataformas de mídias sociais que não são visíveis ao grande público através de buscas pelo Google.

O repertório de causas políticas defendidas por esses grupos invariavelmente contempla racismo (contra negros, judeus, nordestinos, imigrantes etc.), xenofobia (contra chineses, venezuelanos, cubanos), repúdio às minorias LGBTQIA+, anticomunismo, ultranacionalismo, Estado ditatorial e a negação do holocausto nazista. Na live com Marco Antonio Villa, Adriana Dias deu um exemplo do que encontrava em suas pesquisas:

“Estou há 20 anos, o tempo todo, lendo conteúdos nazistas que são profundamente pesados. Por exemplo, um site nazista dizia que estava acontecendo um “genocídio branco” e que um dos motivos era o casamento inter-racial. Tinha um cartaz nele que falava: “O que você faz quando encontra um casal inter-racial? Você chora? Você vomita? Que tal sair por outra via? Que tal matá-los?”. Eles defendiam que as mulheres brancas que estivessem em casamentos inter-raciais fossem mortas ou sequestradas”.

Os dados mais recentes levantados por Adriana não estão disponíveis porque a pesquisadora teve que ser internada em dezembro de 2022 e acabou falecendo no último dia 29 de janeiro, vítima de um câncer no cérebro. Ela era a maior autoridade acadêmica quando se falava em estudos sobre o neonazismo no Brasil e foi responsável pelo fechamento de centenas de sites extremistas de direita, a partir de denúncias que fez às autoridades policiais e judiciais ao longo de duas décadas de trabalho sobre o tema. Adriana era a única pesquisadora brasileira com números estatísticos regulares sobre o crescimento dos grupos neonazistas dentro e fora da Internet.

O novo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, em nota de pesar, lembrou que Adriana Dias participou do grupo de Transição do governo Lula sobre Direitos Humanos e que ela foi “referência para nós e nos estudos sobre neonazismo”. O escritor Ruy Castro terminou sua coluna de 2 de fevereiro na Folha de S. Paulo, intitulada “Heil Bolsonaro!”, dizendo que a morte de Adriana foi “um duro abalo na luta contra o neonazismo no país”.

Infelizmente, hoje, só é possível “entrevistar” Adriana reproduzindo suas opiniões e os resultados de seu trabalho publicados em dezenas de reportagens e lives na internet. Suas pesquisas mostram, por exemplo, que a maioria das células e grupos neonazistas brasileiros se concentra no Estado de São Paulo (especialmente capital e ABC), nos três estados do Sul (com algum destaque para Santa Catarina), em Minas Gerais, no Distrito Federal e no Espírito Santo.

Escondido, mas entre nós

Com a fuga de Jair Bolsonaro para os Estados Unidos nos últimos dias de seu mandato em 2022, acabou o governo de extrema-direita no Brasil, mas o bolsonarismo e o neonazismo continuam. As fortes imagens da destruição terrorista do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em 8 de janeiro sintetizam várias ideias manifestadas por Bolsonaro ao longo de seu governo, como que a dizer para o país: “O extremismo de direita não acabou. E não vamos parar”.

Em relação ao neonazismo tupiniquim mais explícito, com suásticas e “Heil Hitler!”, atos isolados recentes mostram que ele segue entre nós:

  • Em 25 de novembro, quase um mês após o segundo turno da eleição presidencial, um adolescente armado de 16 anos, com uma suástica nazista na roupa, matou a tiros quatro professores e uma adolescente em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo.
  • Três meses antes, em 19 de agosto, na capital Vitória, outro adolescente capixaba, de 18 anos, invadiu uma escola municipal armado de flechas, facas ninjas e coquetéis Molotov com o objetivo confesso de matar pelo menos 6 pessoas. A PM foi rapidamente acionada e evitou uma tragédia. O jovem candidato a assassino trajava roupas pretas e uma máscara de caveira – a siege mask, símbolo de grupos neonazistas em vários países.
  • No 8 de janeiro em Brasília, o detalhe de uma das imagens da destruição dentro dos prédios públicos mostrou um dos terroristas bolsonaristas usando também uma siege mask.

Os dois casos do Espírito Santo são exemplos do que os estudiosos chamam de “lobos solitários”, terroristas que agem por conta própria e não como representantes de algum grupo de extrema-direita. Porém, esses jovens capixabas certamente tiveram forte influência de um ou mais grupos de neonazistas, sem contar o combustível para o ódio que saiu das ações midiáticas de Bolsonaro e seus bolsonaristas divulgadas via grande imprensa, lives no Youtube e grupos de mensagens no Telegram e no WhatsApp. Letícia acrescenta: “Vários fóruns e plataformas de games são frequentados por neonazistas para tentar cooptar jogadores jovens, e alguns eventualmente acabam virando lobos solitários, cometendo violências por conta própria”.

Nesta reportagem do #Colabora, mostramos um panorama mais geral – apenas algumas pontas do iceberg – do neonazismo no Brasil. Os estudiosos ouvidos falam sobre as principais características do nazismo a brasileira e possíveis formas de combatê-lo. É um assunto que não se esgota nestas páginas e que vem sendo alvo de muitos estudos de centenas de pesquisadores e estudantes das Ciências Sociais, da História, da Filosofia, da Psicologia, do Jornalismo e de outras cátedras universitárias.

Somente nos últimos dois anos, pelo menos 18 livros foram lançados no Brasil (média de uma publicação a cada 40 dias) abordando direta ou indiretamente o neonazismo brasileiro – vários deles tecendo ligações com o bolsonarismo –, sem contar incontáveis artigos acadêmicos e trabalhos de conclusão de cursos de graduação e pós-graduação.

Quase 78 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial (em maio de 1945) e 84 anos depois da tentativa de tomada do poder pelo Partido Integralista (em maio de 1938), o nazismo ainda está presente no Brasil – a mais de 9 mil quilômetros de distância de seu berço, a Alemanha. E, em vez da suástica no peito, ele pode estar usando uma camisa da seleção canarinho e a bandeira verde-amarela sobre os ombros. Com vocês, o neonazismo a brasileira.

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