Arcírio Gouvêa Neto, jornalista, pesquisador musical
“Só ponho bebop no meu samba/quando o Tio Sam pegar no tamborim/quando ele pegar no pandeiro e no zabumba/quando ele entender que o samba não é rumba/aí eu vou misturar/Miami com Copacabana/chicletes eu misturo com banana/e o meu samba vai ficar assim…”
Essa obra-prima de Almira Castilho (esposa de Jackson do Pandeiro) e Gordurinha (“Chiclete com Banana”) define bem o viralatismo da mente colonizada de nossa gente e soou como um grito de protesto à aculturação americana, já na década de 50 nesse país, e uma tomada de consciência do que era nosso na música e do que era deles. Estamos há dois dias do show de despedida da Madonna dos palcos e só se fala nisso na cidade: hotéis cheios, turistas por toda parte, muita badalação na mídia, muitos souvenirs dela vendidos e a multidão de sempre babando de alegria na frente do Copacabana Palace. E certamente vem de um deles a foto da Madonna, quase escondida atrás de uma janela, olhando com certo desdém aquela gente lá embaixo num calor de 50°.
Como pesquisador de música popular brasileira, jornalista aficionado pela nossa cultura, pelas “coisas nossas”, como dizia Noel Rosa, observo tudo isso com muita tristeza e desencanto. Não que eu não goste da música americana, amo o blues e o jazz, assim como gosto da música francesa e italiana e amo os boleros caribenhos (principalmente os cubanos) e da América Central, mas tenho perfeita noção deles lá e nossa música aqui.
Também nada tenho contra a Madonna (até gosto do seu posicionamento político), mas jamais compraria um disco dela ou assistiria um show, porque esse pop rock que ela faz é pobre demais musicalmente (assim como centenas desses grupinhos americanos medíocres, tratados como pop stars), vive apenas do apelo comercial e dos efeitos de palco, mas carrega um vazio musical imenso.
E aí entra minha indignação, temos seguramente a música popular mais requintada do mundo, que é o chorinho. Poderiam dizer, ah…mas nos Estados Unidos têm o jazz, só que o jazz não é popular e o blues e o rock não dá nem pra comparar, com qualquer três acordes são tocados e têm assim uma distância abissal do nosso complexo e intrincado, melódica e harmonicamente, chorinho (e mesmo o samba), e que, no entanto, não merecem a mesma bajulação e reverência dada à música americana.
Um músico de jazz americano teria que estudar muito para tocar um chorinho, porém um músico brasileiro de chorinho tocaria jazz com certa facilidade.
É unicamente esse meu questionamento, centenas e centenas de nossos maiores compositores (nem vou citar nomes para não ser injusto) estão aí amargando um ostracismo cruel; se fizermos uma pesquisa, a maioria de nossa população nem vai saber seus nomes, mas sabe o nome do lixo que vem de fora. Muito triste!!!!!