Sobre as rodas do Uber: reflexões sobre machismo e acessibilidade

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O Bem adentra, novamente, o Uber do arquiteto Sérgio AR Pereira, autor do livro “Arquiteto & UBERnista”.

O arquiteto urbanista, trabalhou como motorista de aplicativo entre 2017 e 2019.




 No livro, o profissional transporta os leitores a um mundo de ambiguidades, coincidências, autoritarismo e – por que não? – humanismo.

Nesta edição, Sérgio nos dirige pelo pensamento da falta de acessibilidade às pessoas com deficiência, do heroísmo de mães e esposas que carregam, literalmente, seus doentes nas costas, e do machismo inerente a isso.

E veja no final do texto como adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”

Por Sérgio AR Pereira, arquiteto e urbanista que foi UBERnista

Atendi a um chamado no Hospital Emílio Ribas, na Avenida Doutor Arnaldo 9próximo à Avenida Paulista, em São Paulo). Tratava-se de um casal de idosos, sendo que o paciente era o homem do casal, que estava em uma cadeira de rodas. Parei o carro bem próximo a ele e ajudei sua esposa e o enfermeiro a transferirem-no da cadeira para o carro, no banco do passageiro.

Acomodou-se, ajudei-o a colocar o cinto de segurança e dei início à corrida que seria de 35 minutos, até um bairro da zona norte paulistana.

A partir do ponto em que estávamos, bastaria que descêssemos a Rua da Consolação para acessar mais adiante os baixos do Minhocão, de onde pelo Largo do Arouche e Parque da Luz sairíamos na Avenida Tiradentes, que liga o Centro à Zona Norte.

O tempo previsto estava correto e nos aproximávamos das 17 horas. Enquanto tentava me des vencilhar do trânsito ruim daquele ponto, ainda no viaduto sobre a Avenida Rebouças avistei um grande movimento de sirenes, carros da  Polícia Militar, da Companhia de Engenharia de Tráfego, Cavalaria e entendi o que estava acontecendo.

Naquele dia estava marcada uma manifestação contra a reforma da Previdência, e em poucos minutos milhares de manifestantes que vinham da Avenida Paulista marcharam para a Rua da Consolação, bem na nossa frente e lentamente com suas     palavras de ordem foram descendo a rua.

Não havia mais nada a fazer a não ser seguir o passo da manifestação. Não houve de parte de meus passageiros nenhum tipo de reação. O senhor ainda parecia sedado e a senhora disse algo conformado do tipo “esse país tá uma bagunça” e assim ficamos por no mínimo 40 minutos em primeira marcha e freio de mão puxado.

Não conversávamos e eu estava muito atento à saúde de meu passageiro, que havia sido diagnosticado com sérios problemas nos rins, mas tinha esperanças de obter sucesso em seu tratamento.

Quando chegamos a sua moradia, não havia uma cadeira de rodas o esperando, mas sim uma pequena escadaria de seis degraus para que ele subisse. Ajudei-o a apoiar-se em mim e consegui entregá-lo em seu sofá.

Quando estava pensando em aceitar o cafezinho que me ofereceram, o aplicativo soou em uma nova chamada. Resolvi atendê-la, pois já havia direcionado a minha volta para casa e fui embora torcendo pela saúde e sobrevivência daquelas pessoas.

Pus-me a pensar na situação de centenas de milhares de pessoas que sofrem diariamente po falta de acessibilidade em nossas ruas, calçadas, edifícios, transporte público e até em suas próprias casas, pois para essas pessoas a mobilidade perdida exige esforços muitas vezes impossíveis de se realizarem e geram dependência eterna de ou tras pessoas.

Pensei nos projetos que desenvolvi para essa finalidade e o quanto ainda é preciso ser feito por essas pessoas que já somam cerca de 24% de nossa população, que é atingida por algum problema de mobilidade, das mais leves às mais graves, incluindo idosos, grávidas e casos mais difíceis, que demandam cuidados mais específicos.

Há alguns esforços nesse sentido, buscando a melhoria das condições de vida dessas pessoas, porém estamos muito atrasados ainda, com problemas de fiscalização, de controle e de políticas apropriadas para mitigar esse problema e atingirmos resultados mais eficazes que realmente causem impactos positivos no cotidiano de cadeirantes, cegos, surdos, idosos, gestantes e todos os outros, que, por incrível que pareça e apesar de estarmos já no século XXI, ainda enfrentam desrespeito em filas em geral, em vagas específicas que são sempre ocupadas por espertalhões e outras anomalias inadmissíveis.

Por essas discrepâncias, as pessoas com deficiência tendem a se culpar e a achar  que deveriam se adaptar às cidades, quando na realidade, as cidades é que devem se adaptar a elas, respeitando-as.

Indico às pessoas que tenham algum interesse sobre este assunto que procurem conhecer o trabalho desenvolvido em São Paulo, Capital, pela Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA), da Prefeitura do Município, e pelo Grupo de Trabalho de Acessibilidade do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/SP), o qual provavelmente exista em todos os Conselhos Estaduais.

É muito interessante entender como as  soluções são pensadas, a partir das concepções do Desenho Universal, o que levou nossos profissionais a elaborarem uma Norma Técnica bastante avançada e clara sobre a questão. A NBR 9050/2015.

Certa vez, transportei um jovem da Vila Maria para um hospital em Santana, na Zona Norte, aonde ele iria realizar os procedimentos de hemodiálise, pois aguardava por transplante de rim e não havia ainda previsão para tal.

Estava muito magro e debilitado, também com dificuldades de locomoção, porém sua casa, muito simples, ficava ao nível da calçada, com um mínimo degrau. A mãe o acompanhava e ambos acreditavam muito em algum milagre para a cura, pois não deve ser fácil viver naquelas condições e mais difícil ainda ver um filho pas sando por tantas dificuldades.

E tenho que comentar. Quanto heroísmo dessas mulheres. Quanta dedicação e amor, por tantas vezes não reconhecido e entendido como uma obrigação delas para com seus pares ou parentes. Quero dizer que nestas cenas que estou relatando foi perceptível o papel dessas mulheres que se posicionam a favor da vida e enfrentam com dig nidade todas as dificuldades e desafios que se lhes apresentam.

Creio   que mereceriam que se desenvolvesse melhor essa discussão sobre que papel está reservado para cada uma delas em nossa sociedade que mal se livrou da escravidão e que dirá como reage ainda diante de questões que desafiem o machismo que impôs séculos e séculos de submissão às mulheres.

Em quantas raríssimas exceções algumas dessas mulheres receberiam de volta (do mundo masculino) o mesmo  tempo disponível que dedicaram a seus parceiros, ou mesmo a seus filhos?

Deixarei esta pergunta para discussão.

Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”

Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328

Valor do livro R$ 40,00

Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)

Valor total R$ 50,00

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