Lembro-me da minha primeira entrevista num campo de futebol.
Por Adriana do Amaral, compartilhado de seu Blog
Foi no Estádio do Morumbi, em São Paulo, nos anos 1990.
Não eram tempos de Arena, nem de Morumbix.
Uma pauta voltada à prática da medicina esportiva, associando futebol profissional à saúde e como os achados científicos poderiam beneficiar os amadores.
Como não era setorista, não fui trajada adequadamente:
estava de vestido e sandália em meio ao gramado.
Paguei um mico.
Houveram outras, em pautas diversas.
Na Arena Corinthians – sobre o gramado da Copa do Mundo- de novo no Morumbi, sobre as profissionais de Asseio e Conservação dentre as que mais me marcaram.
As mais bacanas foram feitas nos campos de várzea, quando eu atuei como jornalista sindical.
As torcidas lado-a-lado na arquibancada, homens e mulheres de todas as idades cantando, vibrando, chorando, xingando, aplaudindo, pró e contra, numa rivalidade de vizinhos da periferia paulistana.
Faziam festa tanto para o vencedor quanto para o perdedor.
Confesso que do futebol gosto mais da cultura em torno dele, das histórias, memórias e menos do que ele se tornou: uma mercadoria.
Em casa, eu torço com a maioria, Palmeirense.
Sempre lembro do meu pai, sãopaulino, pedindo: não torce contra!
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Polêmica à vista
Também desgosto das torcidas únicas, tal a presidenta do Palmeiras.
Talvez, por isso, não curti muito a entrevista coletiva exclusiva para jornalistas mulheres.
Sou feminista, já sofri assédio sexual e misoginia no ambiente de trabalho, como tantas colegas jornalistas e profissionais das demais áreas.
Sempre denunciei e compartilhei as minhas experiências.
Os assediadores não são maioria.
Mas, na luta diária pelo reconhecimento do feminino nos confrontamos com o “machismo estrutural” da sociedade patriarcal.
Por isso, acredito, precisamos conviver, pessoas de todos os gêneros e identidades, para que as trocas corroborem para as mudanças que desejamos.
Eu teria apoiado a decisão da Leila Pereira se ela tivesse aproveitado a tal “entrevista coletiva histórica” para debater a questão do feminino no esporte, lançar uma pauta feminina para o Palmeiras e até mesmo campanhas e planos profissionais e acadêmicos pela valorização do trabalho da mulher.
Tanto o trabalho doméstico invisibilizado até, quem sabe, promover ações de conscientização?
Sabemos que os jogos do Palmeiras recebem muitas mulheres, mas ainda falta muito para que os clubes brasileiros se tornem ambientes seguros para a torcedora, por exemplo.
Leila, acredito, poderia usar a sua posição de empresária do esporte e segmento econômico num propósito?
Leila tem poder econômico, profissional, midiático para isso.
A entrevista me pareceu autopromocional.
Como presidenta do Palmeiras, Leila poderia ter falado menos sobre si mesma, ter de ter ido disso.
Aliás, é preciso ressaltar que outras mulheres (não estou comparando competências, a presidenta do Palmeiras mostrou ser capaz) já presidiram clubes de futebol no Brasil, como Marlene Matheus, do Corinthians, e Patrícia Amorim, do Flamengo.
Como empresária, Leila sabe muito bem o valor de uma marca, de um nome e de cada centímetro publicado na imprensa ou compartilhamento e repercussão nas mídias.
Outra mulher está fazendo história no futebol
Dentro de Campo.
Internacionalmente.
A jogadora Marta, a “Rainha Marta”, depois de ser eternizada no Museu de Cera Madame Tussauds, terá sua imagem associada às grandes atletas do futebol feminino.
O Prêmio Marta, criado pela FIFA, será entregue à jogadora que fizer o gol mais bonito da temporada, anualmente.
Não foi nada fácil para a atleta brasileira chegar onde chegou…
O futebol feminino no Brasil ainda é cercado de polêmicas e recebe menos financiamento e divulgação do que merece,
Marta literalmente chutou o machismo a cada gol que marcou.
Mas por que associar Leila a Marta?
Eu acredito que a luta pela valorização da mulher na sociedade se faz individual e coletivamente.
Incluo aí homens e mulheres cis, homens e mulheres transgênero, homens e mulheres bissexuais e todes mais.
Afinal, é na convivência -e leis protetivas até que necessário- que alcançaremos a tão desejada igualdade de oportunidades.
Equidade?
O que cada um de nós precisa, deseja, merece?
Eu sonhos com um mundo onde todes possamos escolher, nos manifestar, se desenvolver.
É claro, para pessoas da diáspora negra, com baixa escolaridade, estagnadas na base da pirâmide social, migrantes a luta é desigual.
Mas, falando em jornalismo:
De acordo com o “Perfil do Jornalista 2021”, que estudou as “características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho do jornalista brasileiro”:
“Mulheres brancas, solteiras e na faixa etária até 40 anos” são a maioria dos profissionais que exercem o jornalismo no Brasil.
A pesquisa também concluiu que:
– a profissão jornalista é majoritariamente feminina;
– o percentual de jornalistas negros e negras (pretos e pardos) superou 30%;
– apesar de uma presença significativa de jovens, aumentou a presença de jornalistas na faixa etária acima de 40 anos.
É claro, nem toda esta diversidade está atuando na imprensa hegemônica, mas é real a presença dos profissionais na imprensa alternativa, periférica, na institucional, nas empresas, além das mídias digitais, tanto na frente ou detrás das câmeras e microfones.
Outras pesquisas mostram que as mulheres estão estudando mais, e consequentemente superando os colegas homens na academia, nas universidades, embora ainda sejam minoria nos espaços de poder.
Eu ia falar de Leila Diniz e Martha Suplicy, mas já polemizei demais para uma postagem..
Fica para a próxima.