Por Ulisses Capozzoli, jornalista
“A compaixão nem sempre é uma virtude. Quem poupa a vida do lobo, condena a morte as ovelhas.” (Victor Hugo, inserção do Bem Blogado)
É possível e plenamente aceitável que se comemore a morte de alguém, pelo que representa. É humano, demasiado humano. Não é uma comemoração alegre, jubilosa, mas uma comemoração triste, silenciosa, mas, ainda assim, uma comemoração por nos livrarmos de uma ameaça, um dano, uma prepotência que, de muitas maneiras, produz a aniquilação, a destruição e a morte de muitos.
Quase sempre mortos invisíveis, não nomeados, gente sem biografia reconhecida, mas que são humanos, demasiado humanos.
Cinismo, em alguns casos contradição profunda sobre o que é preciso refletir para permitir que a sensibilidade e o discernimento aflorem como forma de separar o que é do que não é.
Para discernir o joio do trigo, tarefa de que nos ocupamos ao longo de toda a vida, ainda que possamos não nos darmos conta disso.
Muitas mortes são comemoradas: a morte do torturador, do tirano, do bruto, do saqueador, de todos aqueles que não se identificam com um sentimento de humanidade, de pertencimento a uma ética/estética, aqueles que não reconhecem os limites, que não respeitam o traço de humanidade na sombra projetada pelos que caminham e respiram sob o Sol.
É possível e compreensível sim, comemorar uma morte desejada, como forma de se livrar da opressão, do sofrimento de milhares, de milhões, provocado por quem se vê no direito natural de espoliar e oprimir.
É a comemoração triste que leva em conta a tragédia de ser humano. Platão diz que a alma chega ao mundo em diferentes estados e, na fase do não ser, fazemos um acordo com os deuses sobre como nos comportarmos na fase do ser, do existir.
Acordo esse de que perdemos a consciência. O mistério, entre eles o mistério de ser humano começa a dois passos da certeza mais absoluta.
O mistério domina em todas as direções. Mas há um pequeno espaço de exploração que dominamos, que sabemos descrever o que é, ainda que seja o da tragédia de sermos humanos, órfãos sob as estrelas.
Não há vergonha, despudor, desumanidade, nada disso na comemoração de uma morte desejada.
Há uma alegria triste e é de se perguntar: O que pode ser mais triste que uma alegria triste?
Capa do post do Bem Blogado: La Catrina, personificação mexicana da morte, obra de Diego Rivera