Eventos que não conseguimos explicar nos parecem mágicos. Aliás, a palavra “mágica” significa exatamente isso: o que não conseguimos explicar.
É possível controlar a mente de uma pessoa? Sim, isso é possível, tanto individual, quanto coletivamente. O estado de hipnose é real, nele, a mente de uma pessoa pode ficar completamente sujeita à de outra. O controle coletivo é ainda mais nocivo, mais usual também. Essa forma de controle de mentes tem ganhado forte impulso ultimamente, estamos sendo encantados por algo que desconhecemos.
Uma das características mais marcantes do século XX correspondeu a uma alteração drástica na concepção ética das pessoas, quando a condenação da usura foi substituída pelo culto ao lucro. Hoje, condutas lucrativas são altamente valorizadas, quase confundidas com condutas éticas. Cercear lucros, por outro lado, é ação mal vista, tida como antiética, em princípio. Essa supremacia do lucro sobre todas as coisas propiciou a legitimação da enganação coletiva; propaganda e marketing são ensinados em universidades, despudoradamente. Essas formas de enganação das massas são vistas com absoluta naturalidade, fazem parte de nosso mundo, são aceitas e aprovadas por todos. A naturalidade de tais práticas é tão óbvia que faz parecer que uma crítica como essa que você está lendo seja completamente absurda, desvairada, até. Somos guiados pelo costume, e podemos nos acostumar com quase qualquer coisa.
Mas nos surpreendemos com tudo aquilo a que não estamos acostumados.
Suponha que alguém pudesse controlar nossa mente, que nos fizesse agir como marionetes desde que acordássemos, conduzindo-nos a comer aquilo que ele tivesse decidido, induzindo-nos a nos vestir conforme suas ordens, para ir trabalhar no local deliberado por ele, agindo durante todo o tempo sob suas ordens, e vivendo assim, dia após dia, sob seu controle absoluto. Consideraríamos que tal pessoa tivesse roubado nossas vidas, vivendo por nós, tornando-nos vazios. Veríamos isso como uma crueldade, uma espécie de morte em vida. Mas só nos rebelaremos se a visão nos causar surpresa. Se a considerarmos normal, aquiesceremos, e nos resignaremos à inexorabilidade de nossos destinos. Somos criaturas conservadoras, nos guiamos pelo hábito.
Existirá um limite para o controle de mentes? Até que grau poderemos vir a ser controlados? Analisemos.
Suponha haver uma câmera e um microfone direcionado a você em cada instante, além de outras ao redor. Considere que sua imagem pode ser analisada em detalhes; alterações em sua respiração podem ser notadas, além das de sua expressão. Também podem ser medidas alterações sutis, como a dilatação das pupilas, ou nos timbres e entonações de sua voz. Gestos nervosos podem ser constatados, tiques, tremores ínfimos.
Junto com os inúmeros detalhes sobre seu comportamento e fisiologia, suas ações na internet podem ser vigiadas com precisão. Todos os seus gostos serão mapeados e registrados, cada um de seus passos. Todas as suas ações na rede são registradas em seu computador, cada pesquisa, cada acesso a site, seus olhos indicarão as frases que você lê, sugerirão até sua interpretação da leitura. Também mostrarão sua receptividade a cada informação recebida. Suas comunicações todas registradas.
Os óculos do google estão chegando, logo nos acostumaremos com ele, e nos tornaremos dependentes dele, aliás, como de telefones, hoje. Estarão conosco desde o acordar até a hora de dormir, organizarão nossas vidas. Monitorarão todas as nossas ações, nos conhecerão melhor do que nós mesmos. E nos terão analisado juntamente com outros bilhões de pessoas, comparando e conhecendo nossos padrões individuais. Poderão induzir nossa ida a um shopping guiando nossos passos desde nossa cama até a loja em que vamos comprar o produto que ele deseja.
Esqueci de mencionar, a meta do google é o lucro, isso definirá sua moral, sua ética, e seus comandos. O google tem-nos espionado e analisado a todos, tem-nos conduzido aos sitesprivilegiados por ele, nos despistado e desviado de sites “incômodos”, de informações que o façam despertar, por exemplo.
A televisão costumava nos controlar em certo grau, seríamos diferentes sem ela. Nossas crenças teriam sido outras, nosso modo de vida tem sido profundamente moldado pela TV. Mas o controle não podia ser individualizado, as informações, as ordens, eram veiculadas para todos; agora são individualizadas.
O google pode, com facilidade, viralizar um conteúdo qualquer. O acontecimento induzirá o seguinte: será ainda mais fácil viralizar conteúdo análogo em seguida, o bando já foi direcionado para aquele tipo de alvo. Tendo sido, o bando, conduzido em uma direção, indica-se, não apenas, para onde ele deve seguir, mas delineiam-se as ações subsequentes. O construtor de sites constata a direção do bando, também vai ser guiado por ela, ao tentar guiá-la. É curiosa a ação dos líderes, dos que guiam o rebanho. Intermediando o contato com o poder, situam-se mais próximos dele, sujeitando-se assim, ainda mais fortemente, ao seu controle. Os que guiam o rebanho são controlados em mais alto grau que aqueles que os que são guiados por ele.
Os óculos do google desencadearão, entre outras, a seguinte sucessão de eventos:
Serão adquiridos por pessoas ricas e chiques que definem padrões de hábito.
Redefinirão os padrões dessas pessoas, destacando-as, tornando-as ainda mais chiques e admiráveis ao absorver os novos padrões. O sucesso realimentará o processo.
O alinhamento com o padrão do google será recompensado, tornando seus seguidores cada vez mais admiráveis. Tornar-se-ão, então, cada vez mais obedientes. Será cômodo e recompensador entregar-se à padronização proposta: conforme-se ao padrão A, obedeça todas as regras que o compõem. Ou assimile o padrão B, ou ainda o C. Existem sugestões para todos, cada uma delas adequada a seu próprio gosto.
A proposta é sedutora e recompensatória, me oferecerá tudo o que eu almejar. Que teimosia insana poderia me induzir a me sublevar contra proposta tão benevolente e cômoda? Que tipo de infantilidade promoveria a insubordinação injustificada ante a candura altruísta do google?
O chicote era efetivo, mas alimentava a rebeldia. A televisão era sedutora, mas refratária às individualidades. Não teremos defesas contra o conforto ilusório dos novos métodos de controle, nos entregaremos a eles de corpo, e apenas de corpo. Nossas almas permanecerão suspensas, perplexas, congeladas, paralisadas em algum ponto de nosso cérebro infantil, enquanto nossos corpos, parasitados, controlados pelo poder, vagarão pelo mundo como zumbis, consumindo nossas vidas em uma impessoalidade contínua, vazia e fútil. Perderemos nossas almas.