Sobre o filme Arábia: Nós somos um bando de Cavalos Velhos

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Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Neste capítulo, Cícero César aborda o filme brasileiro “Arábia” e a utilização do ser humano pelo capitalismo.

“Arábia” (Brasil, 2017) toca fundo na experiência brasileira vista da perspectiva de um homem em busca de emprego, de amizade, de amor e de autoconhecimento lá para as bandas de Minas Gerais.  À exceção do último item, tudo se vai tão rapidamente quanto chega.




Somente alguém que tenha refletido seriamente sobre a sua vida e a de sua gente pode chegar à conclusão de que somos um bando de cavalos velhos, isto é, que envelhecemos depressa de tanto trabalhar em atividades que consomem a nossa energia, fatigando o nosso corpo e o nosso espírito. Uma vez sem serventia, somos cuspidos como bagaços de cana. 

O protagonista chega a tal dolorosa conclusão por intermédio da escrita de um diário, cujo teor conduz boa parte da narrativa. Cabe ao público, entretanto, juntar os pedacinhos dessa história para compreender o que está em jogo: talvez as atividades profissionais em que nós somos obrigados a nos envolver careçam de propósito, o que não impede a exploração de mão de obra barata e descartável pelo sistema produtivo, seja na produção, seja na distribuição, seja no campo, seja na pequena indústria.  

Os pobres podem passar de ralé a batalhadores e de volta à ralé a depender de circunstâncias sobre as quais eles não têm poder de decisão. De fato, a passagem de uma categoria à outra seria justamente ter o mínimo de controle sobre as circunstâncias, com espírito de cálculo, abnegação, trabalho duro, exploração…

Mas talvez esta subida de patamar seja apenas uma possibilidade remota, superficial, uma chance em um milhão, que não abala as estruturas econômicas nas quais a vida de muitos está pautada.

Observe-se que o roteiro do filme foi feito sob medida para o protagonista: Aristides Sousa tem diversas passagens por prisões. Muito provavelmente a história do diário contenha fatos que façam parte da sua vida concreta.  Isto eu só fui saber depois, ao fim do filme, quando quis saber um pouco mais daquele ator cuja interpretação me arrebatou.

Minha mulher e eu nos maravilhamos com a história pessoal deste homem miúdo de olhar duro, que afirmou ter estudado muito pouco mas ter escutado muito rap.

Não quero insinuar que se deva deixar de estudar para ouvir rap. Só acho que a gente tem que ficar a par de tudo, do rap e do estudo. Isto para não dizer que a canção popular tem esse poder de nos educar sentimentalmente, de expressar angústias íntimas.

Dito isto, a trilha sonora é maravilhosa, desde a canção de abertura, um blues sobre idas e vindas constantes. Há muita gente no filme cantando e tocando violão em momentos de lazer. Aristides Sousa dá um chão interpretando um rap ao violão. Resume a história dele e a de sua personagem, do ponto de vista população carcerária.

Deste filme em diante, acho que terei que acompanhar a trajetória de Aristides e dos diretores do filme. Gente desse naipe me bota para pensar.  Será que Pasche, Dinho, Amle, Keila, Kings, Zito, o Velho Safado, Mauro, Marcinha, Narciso, Ana viram? Eu sei que tem gente que me mata de inveja quando vai ao festival de cinema de Tiradentes.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

Ficha técnica do filme:

https://filmow.com/arabia-t226472/ficha-tecnica/

Aqui o filme na íntegra:

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