Sobre o país sem caráter em que nos é dado viver

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Por Enio Squeff, Ateliê Squeff – 

O professor Aldo Fornazieri, no Viomundo, assina um artigo que só pelo título já diz tudo: “Brasil não tem alma, não tem caráter, não tem dignidade e não tem povo”. Um desabafo sincero que, numa certa medida, mensura a falta de reação a um governo ilegítimo que está fazendo o que bem entende, com uma população que, em principio, parece também não estar entendendo nada. A teoria – se é que seja uma teoria- é mais ou menos a seguinte: não temos cerviz, o que pensamos ser nação como diz um amigo, é um acampamento, ao que acrescenta um outro, mais bem humorado: estamos enfrentando uma crise real – a maior talvez do Brasil – mas como Macunaímas que nunca deixamos de ser.




Tudo resolutamente certo. Mas se, como dizia Zé Gomes, um grande amigo músico que já se foi, “em terra de cego, quem tem um olho enxerga sozinho”, os poucos caolhos brasileiros, estamos vendo o que nunca se imaginou. Jamais em momento algum “na história deste país”, a luta de classes foi tão evidente, tão escancarada: o chamado poder executivo cumpre fielmente o ideário que lhe dá a sua ilegitimidade golpista; o parlamento, como dizia Mark Twain sobre o congresso dos EUA “é o melhor que o dinheiro pode comprar”, e o Judiciário chega a ser risível. Poderia, em grande parte, ser apenas canalha. Nunca foi tão classístico, tão escancaradamente parcial. Prende e solta duas pessoas por crimes resolutamente desiguais, sendo ao opositor dado os rigores de lei – o senador Delcídio foi preso por manifestar a intenção de “obstruir a justiça”(intenção não é crime, anote-se), mas se dá plena liberdade a um meliante como o ex-deputado Rocha Loures, com uma mala cheia de dinheiro de propina para o próprio presidente da República. E como o ex-presidente Lula está sendo ameaçado de ser preso, por não ter cometido crime algum – o mínimo que se pode dizer é que o professor Fornazieri está certíssimo.

Há, contudo, o espetáculo. E talvez os caolhos tenham aumentando um pouquinho. O que Fornazieri não ressalta, porém, é que, com o povo, deve estar ocorrendo, de novo, e de forma escancarada o que ele próprio também nunca viu: gente graúda sendo presa. Não outros ocorre ao mestre, porém, duas características: os presidiário graúdo não é jogado na vala comum dos calabouços brasileiros. Bandidos ou não – essa é a outra verdade, já que muito estão presos sem culpa ( uma vez que roubaram o inimaginável para os assaltantes de banco), o que talvez comece a assaltar a desconfiança na patuléia, é que todos têm direito a banhos de sol, a futebol, à televisão. E podem dormir sem serem estuprados, ou sofrerem as violências que o zé povinho sabem muito bem quais e como é com seus filhos, irmãos, primos e tutti quantti.É um acinte, mas não o único. Dos respeitáveis ministros, procuradores, juízes e outros se sabe que pouco estão se lixando para outra opinião senão a da casa grande que eles protegem como cães de guarda. Idem os deputados, a polícia, e principalmente, mas não exclusivamente, o grande patronato – os membros da elite. É de se ver qualquer programa de TV da qual participam empresários e seus economistas: não há um única menção ao povo. Ele não existe como se sabe. O que importa é uma coisa chamada “economia”- ela é que conta para todos os efeitos. Um espetaculo brechtiano: a didática da casa grande vale por todos os discursos de esquerda. É ver e ouvir um Marco Aurélio, um Gilmar Mendes, mas o próprio Temer e principalmente os ilustres deputados ( evangélicos ou não): eles agora fazem proclamas de seu pouco caso. Eles e a imprensa que lhes dá visibilidade.

Vejamos se o povo vê. Se não vê – palmas para o desabafo do professor Aldo Fornazieri; se vê, aguardemos. Só isso.

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