Por Gustavo Gollo, publicado em Jornal GGN –
Atentemos para os comentários odiosos que irrompem nas páginas do facebook após cada grande manifestação política, coisas do tipo: baixa o sarrafo, borracha neles, mete o pau, e demais exortações à pancadaria, algumas muito mais bizarras que essas. Talvez já tenhamos nos acostumado com elas, talvez já sejam normais.
Mas, façamos a seguinte experiência: primeiramente, observemos uma dessas imagens de selvageria, em seguida, descubramos em nós mesmos esse sentimento que nos exorta ao ódio. Para alguns isso será extremamente fácil, direto, mas todos podemos conseguir, essa sensação, ou instinto, está em todos nós. Depois, olhando as cenas, repitamos as exortações de ódio: enfia a borracha mesmo! Desce o cacete! Arrebenta! Tasca esses caras!
Então, observemo-nos ao fazer isso. Percebamos como somos tomados, arrebatados, levados pelo sentimento de ódio; quase deixamos de ser nós mesmos, tomados por algo que passa a nos dominar e comandar. Mudamos nossas feições, nossa postura, e manifestamos toda a nossa bestialidade ao bradar pelo massacre de pessoas que nem ao menos conhecemos. Tornamo-nos monstros. Sinta o amargor em sua boca, a tensão em sua face, em seus músculos; uma fotografia nesse momento será reveladora.
Mas toda essa violência é normal. É verdade, nos acostumamos com isso e passou a ser normal deixarmo-nos transformar em monstros, eventualmente. Em que tipo de zumbi nos tornamos?
Mas, será aceitável nos deixar levar por paixões tão malévolas? Será admissível nos permitir virar monstros por uns minutos? Será cabível nos deixar transformar em feras boçais? Por que admitir tal selvageria? Não será uma horrenda monstruosidade se deixar levar por tal sordidez? Em que estão nos transformando? Em que estamos deixando nos transformar?
Consideramos normal tudo aquilo com o que nos acostumamos, mas não devemos admitir nos transformar em monstros, devemos resistir, lutar contra isso.
Acredito ter sido a televisão a responsável por esse flagelo, pela admissão da “normalidade” dessa transformação malévola. Deveríamos temer virar monstros, nos assustar ante tal possibilidade. Mas ao virarmos monstros, ao nos transmutarmos nas criaturas malévolas a exortar ódios, a clamar por pancadaria e matanças, contagiamos os que estão ao redor, infectamos os que estão próximos compelindo-os à mesma degradação.
A infecção zumbi pode ser transmitida pela televisão, sob a forma de discursos de ódio. Vemos na TV, diariamente, há anos, a transmissão despudorada de discursos embalados por tais sentimentos, movidos pelo ódio, por paixões doentias e maléficas; exortações perniciosas com propósitos exclusivamente ominosos, e nos acostumamos com essa podridão ao nosso redor, deixando-nos infectar por ela.
Mais recentemente, o facebook cindiu a população brasileira, dividiu-nos e radicalizou-nos entre coxinhas e mortadelas. Lembremos que a divisão é nova, e que não nos antagonizávamos assim, poucos anos atrás. Agora, quase nos odiamos uns aos outros, e se o permitirmos, o faremos. O facebook (e o google, também) tem nos compelido a viver em uma bolha na qual nos entrincheiramos cada vez mais, tornando-nos intolerantes. A bolha do facebook, aliás, é fundamentalmente uma fábrica de intolerância, o dispositivo com o qual excluímos as visões contrárias às nossas, as opiniões diversas. Os mais incultos mergulharão em profunda obscuridade, vislumbrando apenas o mundinho muito estreito no qual foram confinados e viveram sempre. Restritos ao cubículo cada vez mais reduzido de sua própria cegueira, não admitirão mudanças naquilo a que se acostumaram, e todo o resto lhes será intolerável. Repetirão os motes ouvidos na TV, e suas mentes se limitarão a isso. E odiarão tudo o que for diferente, pois tudo o que não pertença a seu mundinho estreito lhes será insuportável.
Mas, repitamos a experiência de exortação ao ódio, clamemos pelo espancamento da multidão, pela distribuição de pancadas nos desconhecidos, e depois sorvamos o sabor amargo da malevolência em nossas bocas; saboreemos nossa própria monstruosidade, nossa própria hediondez.
Depois, apenas contemplemos o resultado, deixando nossa humanidade se pronunciar sobre a visão.
ódio, manifestações