Por Marina dos Anjos, no Jornal GGN –
Sempre tive posições políticas e ideológicas bastante claras. Nunca escondi o que eu penso em nenhum lugar: trabalho, escola, universidade, família. Não me lembro de, um dia, ter sido diferente. Tenho uma posição que costumo chamar de esquerda resignada, acredito que vivemos em uma política de coalizão, onde não vale sempre ter razão, às vezes se faz necessário entrar no jogo político e negociar com figurões assumidamente desonestos. Convenhamos: grandes empresas e grupos midiáticos que controlam esse país.
Sou jornalista e, apesar de não exercer a profissão na atuação mais óbvia, o título de jornalista pegou em mim de forma irreversível. Continuo curiosa, mas agora mais atenta a discursos, estratégias de comunicação, manipulação e argumentos. Se algo essa profissão me fez foi ampliar meu senso de justiça e de me fazer ouvir, sempre, ambos os lados.
Quem me conhece sabe: sou esquentada, amo política, mas nunca desrespeitei ninguém. Busco sempre uma argumentação mais qualitativa. Basta fazer uma busca pelas minhas publicações recentes no Facebook, local onde compartilho minha opinião, que verá: nunca agredi ninguém.
Na noite de quarta, 16 de março, tive que fazer um caminho que normalmente não faço. Saí da Consolação em direção à Ana Rosa. A ideia era pegar metrô na estação Consolação, mas chegando ao local me deparei com alguns manifestantes (uma, sozinha, tentava fechar a Consolação agitando duas bandeiras do Brasil na faixa de pedestres), andando pela avenida sentido Vila Mariana. Consultei o relógio, eram 20h, e só iria encontrar minha mãe às 20h30. Tinha tempo e curiosidade. Decidi, então, caminhar um pouco mais e pegar o metrô na estação Trianon-Masp, aproveitar e ver o que pela TV, pouco tempo antes, já tinha visto: uma manifestação, convocada pelo Movimento Brasil Livre, estava acontecendo em frente ao Masp.
Ao longo do caminho fui percebendo mais e mais manifestantes se juntando, todos vestidos com as cores do Brasil. Alguns carros passavam, buzinavam. Uns veículos exibiam bandeiras do Brasil e outros o Pixuleco, o boneco inflável do Lula. Quando passavam, os manifestantes aplaudiam.
Chegando no Masp, a calçada estava tomada de manifestantes e, para chegar à estação, eu teria que atravessar a multidão. Decidi, então, atravessar a avenida – nesse momento já fechada pela CET – em direção ao Parque Trianon. Antes de chegar no meio da pista, antes mesmo da ciclovia, um rapaz branco, cabelo preto, entre 35-40 anos, se aproximou. Carregava bandeiras do Brasil com algo escrito no local da faixa Ordem e Progresso. Não consegui ler. Ele gritava “Fora Lula” e sorria, me estendendo as bandeiras. Disse que “Não, obrigada. Não compactuo com golpe”, mostrei a palma da mão, como que negando o que ele me entregava.
Foi aí que o rosto dele mudou.
Me puxou pelo braço no momento em que eu já me virava para continuar atravessando a Paulista. Perguntou o que eu tinha dito. Repeti que não compactuo com golpe e virei novamente. Ele então me puxou mais uma vez, me chamou de puta, ordenou que eu pegasse as bandeiras e disse que eu deveria lutar por um Brasil melhor. Sorri, peguei as duas bandeiras, rasguei uma e me virei para continuar andando. Antes que conseguisse me virar totalmente, levei um murro na boca do estômago. Felizmente não machucou, não pegou direito, já estava praticamente virada. Minha única reação foi correr ao outro lado da avenida. Ouvi: “corre, comunista!”.
Ao chegar na calçada continuei andando, rápido. Passei por um bar de esquina, cheio de gente, e foi só aí que olhei para trás. Não o vi mais. Andei depressa para o metrô e embarquei imediatamente.
Fiquei mexida. Inconformada para ser honesta. Confesso que apesar de sentir essa onda de violência tomando forma, nunca imaginei que pudesse acontecer comigo.
Desde as manifestações de junho de 2013 – que me recuso a chamar de Jornadas de Junho – comandadas pelo Movimento Passe Livre, venho sentindo que acordamos um monstro. Uma parcela da população que andava escondida, escondendo suas opiniões, reprimindo a raiva. Esse pessoal, apoiado pelos grandes veículos midiáticos que começaram a apoiar a causa, teve forças para ir às ruas, gritar pelo que quisessem. Eles foram. Aprenderam que a rua é local de manifestações. Que juntos têm poder. Em uma das últimas manifestações de 2013, assisti atônita aos manifestantes agredirem quem estava de vermelho. Lembro do caso de uma facada. Lembro de um amigo, envolvido em questões políticas, que pediu ajuda para conseguir uma camiseta de outra cor e sair do bar que estava sem ser agredido.
Nesse dia eu chorei. Prenunciei que algo pior estava por vir. Xinguei a mim e a toda essa geração revolucionária de ingênuos. Por cutucar quem estava quieto. Por achar que estava tudo bem marchar ao lado das primeiras faixas pedindo Fora PT e aos gritos de “Sem partido”. Lá achei que era o início de uma época bem difícil. Meus amigos me tranquilizaram, disseram que não era pra tanto.
Três anos depois, não fico feliz em perceber que talvez, já naquela época, o meu feeling estivesse certo.
Marina dos Anjos
Jornalista
25 anos