Somos todos reféns de Ronnie Lessa, por Carlos Tautz

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Outro “detalhe”: por que Adriano de Nóbrega, também matador de elite do submundo fluminense, estaria fora de negócio tão lucrativo?

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Assassino confesso da vereadora sabe que provas foram perdidas e que só ele pode revelar detalhes do crime e da sua longa carreira que as polícias e o Ministério Público do Rio sempre fingiram desconhecer

por Carlos Tautz

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Um dos mais caros, habilidosos e publicamente conhecidos matadores de aluguel operando no Rio de Janeiro há décadas, o ex-BOPE Ronnie Lessa, assassino confesso de vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, distribuiu em sua delação premiada informações e alegações que a Polícia Federal (PF) admite em relatório não ter conseguido confirmar.

Na delação, Ronnie conta o que quer sobre os assassinatos porque sabe que, mais seis anos após as mortes, não há mais outra fonte de informação sobre os crimes que não seja o próprio criminoso. Todos os interessados em saber  as causas e os (verdadeiros) mandantes somos reféns de Ronnie Lessa.

Parte importante dessa delação foi vazada, como sempre na PF, à TV Globo e levada ao ar no domingo (26) no Fantástico, o programa de maior audiência da TV da Família Marinho.

No Show da Vida, como era intitulado antigamente o programa dominical da Globo, Ronnie exerceu o papel de sequestrador da opinião pública nacional. É mais novo papel de sua extensa carreira que inclui passagens como segurança de bicheiros, explorador da venda ilegal de água em favelas cariocas, dono de academia em áreas de milícia, contrabandista internacional de armas, autor de assassinatos em série e de outros crimes que as corregedorias das polícias fluminenses e o Ministério Público estadual do Rio (MPRJ) fingiram por décadas desconhecer.

Na entrevista aos antigos parceiros de vazamentos PF&Globo, Ronnie consolidou a improvável e improvada tese de que a Família Brazão (velha organização criminosa com representantes e admiradores até na Prefeitura carioca de Eduardo Paes) teria mandado matar Marielle por conta de uma disputa de terras na Zona Oeste – ao preço de 20 milhões de dólares.

Ninguém do círculo mais próximo de Marielle jamais imaginou que ela tivesse como pauta política específica de seu mandato a atuação contra a milicianização de loteamentos inteiros na Zona Oeste carioca – nem o Psol, o partido dela, tinha ouvido falar de tal interesse.

O ex-deputado estadual e atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo, que trabalhou com Marielle na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro,  já deixou claro que também desconhecia essa pauta da ex-vereadora. A família dela, idem.

E mais: uma pessoa da assessoria de Marielle, que ela encarregava de fazer investigações preliminares em casos que aconteciam em áreas dominadas pelo tráfico e/ou pela milícia, também se espantou ao me relatar – em 2018 – que nunca soubera de que Marielle entraria em disputas diretas e abertas com milícias da Zona Oeste.

Por ter passado anos em movimentos de base em favelas, essa pessoa era responsável por ir até os locais controlados pelos grupos armados ilegais e usar de seus antigos contatos entre moradores e militantes para levantar informações que subsidiassem a tomada de decisão por parte de Marielle.

US$20 milhões: e por que Adriano da Nóbrega estaria fora do negócio?

Outra informação divulgada por Ronnie foi a suposta oferta de negócio que os Brazão teriam feito a ele, em troca da vida de Marielle: 20 milhões de dólares (R$103.932.000,00, de acordo com a cotação oficial da moeda em 31 de maio de 2024).

Em vez de pagamento único pelo cometimento do crime, como Ronnie estava acostumado a receber, o dinheiro pela morte de Marielle viria da participação de Ronnie na venda ilegal de um loteamento inteiro na Zona Oeste e a posterior exploração, também ilegal, de venda de internet, transporte etc, ou seja, de toda a economia miliciana.

Os tais 20 milhões parecem esdrúxulos, porque desproporcionais. A PCRJ levantou que, em 2018, ano do crime, entraram nas contas bancárias do assassino profissional exatos R$ 568,2 mil , ou 177 vezes menos o que teria sido oferecido pelos Brazão por um único crime.

Outro “detalhe”: por que Adriano de Nóbrega, também matador de elite do submundo fluminense, estaria fora de negócio tão lucrativo? Afinal, ele e Ronnie, embora não fossem sócios permanentes, já teriam operado conjuntamente outros crimes políticos, conforme lembra o repórter Sérgio Ramalho, autor do livro Decaído, sobre Adriano (que por razões ainda mal explicadas foi assassinado no interior da Bahia, em fevereiro de 2020, por um comando que incluía o BOPE da Bahia e policiais do Rio).

Por mais bem orientada que hoje seja a PF – que só entrou no caso após uma pedalada legal em fevereiro de 2023 do procurador-geral de justiça do Rio -, mais de seis anos já se passaram desde a fatídica noite de quarta-feira, 18 de março de 2018, quando o Rio de Janeiro estava sob intervenção financeira e militar comandada pelo general bolsonarista Braga Netto.

Testemunhas óbvias deixaram de ser ouvidas ou sumiram, prováveis cúmplices das mortes também foram assassinados, provas importantes não foram colhidas intencionalmente , desconsiderou-se o fato de que os tiros que mataram Marielle e Anderson foram disparados nos fundos da Policlínica da Polícia Civil (PCRJ) e que ali, apesar de ser um local sensível para a segurança da PCRJ não havia sequer uma câmera de segurança.

Enfim: para sorte dos criminosos e dos mandantes, também sumiu boa parte dos indícios que poderiam levar aos mentores e às reais motivações do crime político de maior repercussão no Brasil desde a bomba no Riocentro em 1981.

Profundo conhecedor do poder de fato no Rio, o poder das ruas, e das entranhas das instituições fluminenses, Ronnie tem claro de que não há mais como comprovar aquilo que ele diz (e, atenção PF: o que ele diz não é prova, é meio de prova que precisa ser investigado).

As provas mesmo deixaram de ser colhidas nas primeiras horas após o crime e testemunhas oculares só foram ouvidas pelos investigadores após um mês de insistência por parte de jornalistas que as descobriram.

Ronnie diz, e a PF admite não ter como comprovar, que teve encontro com Domingos e Chiquinho Brazão antes e depois das mortes e que estas contariam com a cobertura cúmplice do ex-Chefe de Polícia, o delegado Rivaldo Barbosa.

Em 15 anos, Rivaldo já foi o quarto ex-Chefe de Polícia preso por uma variedade de crimes que chegam até à formação de quadrilha armada, mas o MPRJ colocou-se veemente contra o deslocamento de competência (a chamada “federalização” das investigações), mesmo sabendo que a PCRJ nunca teve qualquer independência nem vontade de levar a bom termo a investigação sobre o assassinato de Marielle.

Preso pela PF, Rivaldo, acusado de ter recebido propina dos Brazão para dar prosseguimento às investigações quando era Chefe de Polícia,  pediu, “pelo amor de Deus”, ao Ministro Alexandre de Moraes (STF) para depor sobre o caso.

O seu depoimento não vazou.

Ainda.

Carlos Tautz – Jornalista e doutorando em História Contemporânea.

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