E o Bem Blogado volta com a ótima escritora e jornalista Sonia Nabarrete (foto). Desta vez com um miniconto que conta as idas e vindas amorosas na pandemia entre idosos – #quarentextos –
Vilmona
Saiu só com o dinheiro para comprar pão, tomou um tombo e bateu a cabeça. Se morresse, seria uma morte inglória, mas sobreviveu. Acordou desmemoriado e sem documentos em um hospital, onde contraiu o coronavírus e ficou internado por muito tempo. Como morava só e todos os amigos estavam em quarentena, ninguém deu pela sua falta, exceto os amigos do facebook. Havia um homônimo no mesmo hospital, que acabou morrendo. Alguém da área administrativa, que o conhecia, viu o nome entre os óbitos e divulgou.
Quando o cara recobrou a saúde e a memória, descobriu que estava socialmente morto. Voltou para casa e a primeira coisa que fez foi olhar as redes sociais. Ficou comovido com tanta gente lamentando sua morte.
Uma mensagem o comoveu em especial: a de Vilmona, amor da sua vida, com quem estava rompido. Lembrou daquela imensidão de mulher com uma saudade maior ainda.
Tudo nela era exagerado: os peitos, a bunda, a altura, a vontade de trepar, os gritos quando gozava. Ela era desproporcional a ele, baixinho e magrinho, mas na cama, se acertavam que era uma beleza.
Fez um comunicado avisando que quem tinha morrido era um homônimo. Estava vivo e gozando de saúde. Os amigos até combinaram fazer uma baita festa quando a quarentena acabasse.
Apenas Vilmona não se manifestou. Procurou por aquela mulher grande e grande mulher. Soube então que ela estava internada com Covid 19.
Embora ateu, rezou para todos os santos, fez promessa, e atribuiu à sua recente fé e ao tanto de amor que sentia, a recuperação da amada.
No dia em que ela teve alta, estava no hospital para recebê-la. Pulou em seus braços, pendurou-se em seu pescoço e deixou que ela rodopiasse com ele, como em uma valsa que só os dois ouviam.