Washington Luiz de Araújo, jornalista –
Vivemo uma época triste, tão sombria que o humor de Stanislaw Ponte Preta, o codinome do humorista, cronista, escritor, radialista e compositor Sérgio Porto, teria muita matéria-prima. Na época da ditadura militar, quando criou o Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País, Stanislaw Ponte Preta se notabilizou por retratar os “jecas”, que chamava de “cocorocas”, que apoiavam o que chamava de “redentora”. Hoje, as trapalhadas que tanto prejudicam a justiça plena, como as peripécias do juiz Sérgio Moro e equipe, seriam um prato cheio para o humorista. Imagine o que falaria dos vazamentos ilegais e seletivos, vistas grossas para gravações de depoimentos sigilosos, do acerto para as delações sem provas e agora a proibição de que a audiência com o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja gravada, enquanto grava um vídeo para os seus “simpatizantes” para as redes sociais.
O que diria de um fato como este? Há mais de um ano, invasores de uma área pública, fanáticos pela Lava Jato, construíram um barraco moderninho na frente do prédio da Justiça Federal em Curitiba. Ninguém nunca mexeu com eles. Agora, uma juíza impôs que qualquer tipo de acampamento de militantes em Curitiba, por ocasião do depoimento do ex-presidente Lula, está proibido, correndo o risco de ser multado em até 100 mil reais por dia?
A vida atual é assim: quando se trata de depoimentos, com cartas marcadas, para prejudicar a imagem do líder petista, Moro permite e colabora, como no caso do interrogatório, sigiloso, de Marcelo Odebrecht, quando o blog de direita “Antagonista” transmitiu em tempo real. O sigilo neste caso não vem ao caso.
E houve ocasião em que o juiz foi o próprio vazador, como quando gravou ilegalmente e enviou para a Globo gravações de conversas de Lula com a então presidente Dilma Rousseff, familiares amigos e até de advogados. Nada aconteceu àquele que deveria prezar pela obediência à Constituição. As controvérsias de golpistas parlamentares e dos veículos de comunicação também vão nessa linha.
O que Stanislaw Ponte Preta intitulava como “besteira” em relação à personagens da “redentora” (ditadura militar) pode ser chamada de atrocidade jurídica, em se tratando dos atos do juiz Sérgio Moro. Pensando bem, em ambos momentos as chamadas besteiras eram trágicas, dado a motivação de fechamento do regime democrático e facilitação da vida dos que apoiaram o antigo e apoiam o novo golpe.
Vejam a semelhança entre as épocas, nas palavras do multiprofissional das letras: “É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar”
E contou muitas, que se tornaram besteiras atrozes para muitos que contrariavam a ditadura. Vejam: “Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 A.C. (…) Repetia-se em Porto Alegre episódio semelhante ao ocorrido com Sófocles, em São Paulo. O Coronel Bermudes, secretário da insegurança pública, acusava todo o elenco do Teatro Leopoldina de debochado e exigia a presença dos atores e do autor da peça em seu gabinete. Depois ficou muito decepcionado, porque Georgers Feydeau – o autor – desobedeceu sua ordem por motivo de força maior, isto é, faleceu em Paris, em 1921″.
Imaginem o que diria Stanislaw sobre os dias de hoje. Deitaria e rolaria com tantas besteiras que são cometidas em nome da justiça. Mas são besteiras com o intuito de prejudicar a democracia. Besteiras que vêm surgindo nesses tristes tempos de golpe e de hipocrisia. Hoje vemos vários veículos de comunicação reeditando a graça irônica de Stanislaw Ponte Preta. Hipócritas, pois apoiaram a ditadura militar como o novo golpe. E isso de besta nada tem, pois, como disse o personagem principal deste texto: “no Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixaram de acontecer”.