Por RENÉ RUSCHEL
De acordo com testemunhas ouvidas pela polícia, os criminosos estavam encapuzados e executaram os militantes durante o jantar. Na avaliação de João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do MST, o agressivo discurso de Jair Bolsonaro contra os sem terra contribuiu, de forma indireta, para o violento episódio.
“Eles fizeram uma campanha baseada no ódio e no estímulo ao uso de armas. Com a vitória, brotou um sentimento de impunidade naqueles latifundiários mais truculentos, que sempre acham que é possível resolver os problemas sociais à força”, lamenta Stédile, a prever tempos tenebrosos para os movimentos sociais e um duro revés para a reforma agrária nos próximos anos.
CartaCapital: Em depoimento recente a CartaCapital, o senhor se mostrou esperançoso em relação ao conflito agrário. Disse que, por mais que o discurso de Bolsonaro seja raivoso, não acreditava que a violência iria se propagar no campo. Continua com a mesma opinião?
João Pedro Stédile:Eu quis dizer que o governo federal não podia e não deveria incentivar a violência. Assim, acreditava que a violência não iria se propagar. Mas o discurso do ódio sempre estimula as forças mais reacionárias que existem no meio latifundiário. E daí eles podem agir por conta própria.
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CC: As declarações de Bolsonaro, que incentiva a população a se armar e acusa o MST de ser uma “organização terrorista”, contribuíram para o assassinato dos dois dirigentes na Paraíba?
JPS:De forma indireta sim. Eles fizeram uma campanha baseada no ódio e no estímulo ao uso de armas. Com a vitória, brotou um sentimento de impunidade naqueles latifundiários mais truculentos, que sempre acham que é possível resolver os problemas sociais à força.
CC: Qual deve ser a postura do MST daqui por diante? Já vivemos um período de confronto entre o governo Bolsonaro e os movimentos sociais? JPS: A postura do MST continuará a mesma. Vamos tomar nossos cuidados, agir com prudência e denunciar todas as tentativas de criminalizar os movimentos do campo ou da cidade. A sociedade não aceita a violência como método de governar, nem de resolver pretensamente os problemas sociais.
CC: A Procuradoria-Geral da República se manifestou solidária ao MST e condenou as mortes na Paraíba.
JPS: Foi uma atitude corajosa, a qual prezamos muito. Os procuradores devem ficar alertas, atentos, contra todo e qualquer ato de injustiça. A paz no campo só acontecerá à medida que os problemas sociais forem resolvidos, quando houver terra, trabalho, educação e moradia para todos.
CC: O senhor acredita que a violência que se volta hoje contra os sem terra atingirá outros movimentos sociais?
JPS: Todos os movimentos sociais devem permanecer atentos e aumentar ainda mais o trabalho de organização de suas bases. A verdadeira proteção em favor do povo só vira por meio da capacidade de organização e mobilização da sociedade. Aqueles que estiverem menos organizados, mais fragmentados e distribuídos em regiões de conflitos com os interesses do capital, poderão sofrer mais diretamente a violência.
Os movimentos sociais menos organizados ou mais fragmentados poderão sofrer mais diretamente a violência
CC: Qual é o futuro da reforma agrária no Brasil?
JPS: O programa de reforma agrária no Brasil não pode apenas desapropriar uma fazenda aqui e outra acolá. Precisa estar atrelado a um projeto nacional de desenvolvimento, voltado a reindustrialização do País, à distribuição de renda, à geração de emprego, ao desenvolvimento da agroindústria, e, acima de tudo, com uma visão de igualdade de direitos para todos.
Infelizmente, o novo governo não tem um projeto nacional e muito menos de desenvolvimento econômico e social. Será apenas um governo voltado aos interesses dos banqueiros, das empresas estrangeiras, e a favor da privatização de nossas estatais. Basta ler as declarações e os propósitos do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus chicagos boys.