Por Vitor Nuzzi, compartilhado de RBA –
Em retomada rápida de julgamento, quase todos os ministros afirmaram que Alex Silveira estava cumprindo seu dever profissional. Tribunal paulista chegou a considerá-lo culpado
Enquanto fazia a cobertura de um protesto de servidores na Avenida Paulista, em 18 de maio de 2000 (governo Mário Covas, PSDB), Alex foi atingido no olho esquerdo por um tiro de bala de borracha vindo da Tropa de Choque da Polícia Militar. Perdeu a maior parte da visão.
Só um voto divergente
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, nessa ordem, acompanharam o relator do processo, Marco Aurélio Mello. Todos no sentido de que o Estado é responsável pelo resultado da ação policial. O voto divergente foi de Nunes Marques.
O caso chegou ao STF em 2019, no Recurso Extraordinário (RE) 1.209.429, com repercussão geral. O relator é o ministro Marco Aurélio Mello, que em agosto do ano passado votou pela responsabilidade do Estado no episódio. O julgamento foi retomado ontem e concluído nesta quinta-feira (10).
Com isso, Marco Aurélio se posicionou contra a sentença do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo. Mesmo admitindo que a bala de um policial foi responsável pelo ferimento, o TJ reformou a sentença de primeira instância, apontou culpa exclusiva da vítima e negou pedido de indenização por danos materiais e morais por parte do Estado.
Em situação de perigo
Em 2014, o relator do caso no TJ paulista, desembargador Vicente de Abreu Amadei, considerou que a atuação da Tropa de Choque foi legítima. E o repórter fotográfico, que cobria a manifestação para o jornal Agora SP, do grupo Folha, foi declarado culpado “por se colocar em situação de perigo”. Assim, isentou o Estado de responsabilidade. E, segundo entidades, profissionais e juristas, criou um precedente ameaçador à liberdade de imprensa.
Em seu voto, o relator da ação no STF afirmou que o entendimento do TJ “inibe a cobertura jornalística” e o direito-dever de informar, previsto na Constituição. Ao atribuir culpa à vítima, o tribunal teria endossado a ação desproporcional das forças de segurança. Marco Aurélio citou o direito à informação. “Não é razoável exigir do profissional de imprensa que abandone o local de um evento se houver conflito entre a polícia e manifestantes”, afirmou.
Anacrônica e autoritária
Como outros ministros, Edson Fachin disse que o Estado também descumpriu dever de atuar na proteção do profissional de imprensa. “Soa anacrônica e autoritária a suscitação da culpa exclusiva da vítima, violando os preceitos da Constituição de 1988 e os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em favor de uma imprensa livre”, argumentou.
Ex-secretário da Segurança Pública em São Paulo, o ministro Alexandre de Moraes alertou para o cuidado necessário no uso de armas menos letais. “Todos os protocolos direcionam para que o tiro seja da cintura para baixo”, afirmou.
Registro histórico
Também para Barroso, o profissional estava exercendo um direito que é público, de a sociedade ser “adequadamente informada sobre o que está acontecendo”. Trata-se, lembrou, da livre circulação de informações, ideias e opiniões. Além disso, é um registro histórico: “O que é jornalismo hoje vai ser história no dia seguinte”.
O último voto foi do presidente da Corte, Luiz Fux, que também acompanhou o relator. O julgamento seria concluído com a definição da tese de repercussão geral. Embora os juízes tenham votado pela responsabilidade do Estado, havia algumas diferenças em relação ao texto.
Durante o julgamento, Alex Silveira participava de uma live promovida pela Associação Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo (Arfoc-SP). Também estava presente Sérgio Silva, que perdeu a visão ao ser atingido por bala de borracha de um policial, em 2013. Ele é o autor da foto de Alex Silveira publicada neste texto. Os dois se emocionaram ao final.