Súmula Vinculante 56 e a Custódia Irregular de Presos

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Por Juliana França David, publicado em Justificando

Os limites interpretativos da Súmula Vinculante 56 na Custódia Irregular de Presos Definitivos ou Provisórios

O Brasil tem enfrentado uma terrível crise penitenciária já há muito, contando com 602.217 mil presos segundo o último levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Conforme se verifica no relatório do Banco Nacional de Mandados de Prisão, o perfil da população carcerária brasileira é o seguinte [1]:

  • 95% são homens;
  • 30,5 % dos  presos têm entre 18 a 24 anos;
  • 40% são presos provisórios;
  • 24% são condenados em execução provisória;
  • 74% em regime fechado e 24% em regime semiaberto;

Vale lembrar ainda que a Constituição determina, em seu art. 5º que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (inc. III), que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (inc. XLVIII) e que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (inc. XLIX).




Súmula Vinculante 56 e a Custódia Irregular de Presos

Basta uma rápida leitura das notícias sobre a atual crise prisional brasileira para averiguar que todas as garantias aos presos são sumariamente desrespeitadas [2] [3] [4] em prol de uma sanha punitivista da sociedade, na qual não basta o cumprimento da pena, exige-se a imposição de dor e sofrimento ao apenado, visto como nada além de sub humano, sujeito despido de garantias ou direitos.

Por essa mesma cultura é que se fundamentam as decisões arbitrárias e submetem os presos provisórios e definitivos no Brasil a condições degradantes, amontoando cada vez mais os indivíduos de modo completamente discricionário e, vale dizer, em patente desrespeito à Constituição e outros instrumentos normativos.

Chama atenção situação recente que está ocorrendo em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (RS), onde diversos detentos passam dias algemados em viaturas ante a falta de vagas no sistema penitenciário daquele estado [5].

Ingenuamente (ou ainda com má fé), é possível que se argumente pela necessidade de custódia destes indivíduos, razão que supostamente justificaria a manutenção dos mesmos em condições tão descabidas quanto essa. Porém, para além das vedações expressas pela própria Constituição Federal (que por si só já seriam capazes de demonstrar a patente inconstitucionalidade de tais medidas), é possível guerrear acerca de uma aplicação extensiva da Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal.

Assim versa a Súmula [6]:

A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Como é possível verificar, a Súmula diz respeito àqueles sujeitos que, diante da incapacidade estatal de oferecer a custódia devida, devem ser postos em regime menos gravoso, estando vedado ao Poder Estatal custodiá-los em regime pior ante a própria incompetência de prover a condições devidas para tanto.

De fato, a súmula trata de “regime” na semântica formal e processual penal, todavia, não se pode olvidar a lógica por trás da referida Súmula.

A súmula pretende impedir que presos provisórios ou definitivos sejam submetidos aos mandos e desmandos estatais para lhes impor custódia mais gravosa porque o próprio Estado não foi capaz de oferecer as condições devidas (e menos gravosas). Seria (e infelizmente tem sido) muito conveniente a discricionariedade de apenas amontoar indivíduos em presídios sem existir qualquer instrumento que obrigasse o poder estatal a investir no sistema penitenciário e conferir-lhe estrutura suficiente para abarcar toda espécie de custodiado.

Assim, o que se verifica é a possibilidade de aplicação extensiva da Súmula Vinculante nº 56 no caso, ou seja, na custódia patentemente irregular de presos provisórios ou definitivos, sejam eles esquecidos em delegacias ou até – pasme-se – algemados em viaturas submetidos às intempéries sabe-se lá por quantos dias.

Se não há vagas, que não sejam os indivíduos sujeitos à restrição de liberdade a pagar pela incompetência do Estado por meio de algemas presas a veículos, precisando aguardar vagas por dias a fio! Se não há como cumprir a custódia correta do sujeito, é no mínimo absurdo que se aceite que fiquem acorrentados sem as menores condições de dignidade e salubridade por culpa única e exclusiva da incompetência estatal! É um acinte!

É preciso que haja um mínimo de respeito aos presos neste país. Não basta a existência de previsão constitucional, de súmulas vinculantes, de Lei de Execução Penal e tudo o mais se, no fim do dia, dezenas de indivíduos passarão a noite acorrentados em viaturas do lado de fora de uma delegacia “aguardando vagas” na unidade prisional como quem espera em uma fila normal. Não há nada de normal nessa situação absurda.

Juliana França David é Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Ibmec e Advogada criminalista membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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