Por Cláudio Arreguy, compartilhado de Ultrajano –
Ninguém foi tão decisivo para a existência do estádio do que o notável jornalista, irmão do não menos genial Nelson Rodrigues, incentivador como poucos do futebol carioca, um dos criadores do Torneio Rio-São Paulo, que cunhou a expressão Fla-Flu para consagrar o mais charmoso clássico do país e comprou em 1936 de Roberto Marinho o Jornal dos Sports
O ano de 2021 no futebol está apenas se iniciando, mas já tem um líder disparado no quesito ideia de jerico: a aprovação pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro da mudança do nome oficial do Maracanã de Jornalista Mário Filho para Rei Pelé. Iniciativa do deputado André Ceciliano (PT), que, ao que tudo indica, não tinha nada melhor para fazer.
Nem vou lembrar aqui que já existe um Estádio Rei Pelé, inaugurado há pouco mais de 50 anos em Maceió ‒ registre-se que há movimentações no sentido de troca do nome para Rainha Marta, em homenagem à melhor jogadora brasileira da história, alagoana de Dois Riachos.
Também não vou recordar que o Maracanã foi desfigurado com a reforma para a Copa do Mundo de 2014. Saiu o estádio raiz, um dos templos maiores do ludopédio mundial, entrou a arena moderninha, asséptica, de plateia majoritariamente branca em vez de torcedores de todas as camadas sociais ‒ hoje nem uma coisa nem outra, por causa da pandemia do coronavírus.
Muito menos pretendo ignorar os feitos do maior jogador de todos os tempos no Maracanã. Onde fez seu primeiro gol pela Seleção Brasileira, na derrota por 2 a 1 para a Argentina em 1957; conduziu o Santos a vitórias memoráveis nos primeiros anos da década de 1960; garantiu em 1969 a classificação do Brasil para a Copa do Mundo do México’1970, na vitória de 1 a 0 sobre o Paraguai, diante do maior público pagante da história do futebol (183.341); fez no mesmo ano seu milésimo gol, no triunfo de virada por 2 a 1 sobre o Vasco, pelo Robertão; e disputou em 1971 seu último jogo com a camisa verde-amarela, no empate por 2 a 2 com a Iugoslávia.
Se Pelé foi importante, fundamental até, para consolidar a mística do antigo ‘maior do mundo’, Garrincha (nome do estádio principal de Brasília) e Zico também foram, sem contar inúmeros outros craques que ali desfilaram sua arte. Por maiores que tenham sido, não se pode dizer, porém, que sem eles o Maracanã teria deixado de existir.
Mas sem Mário Leite Rodrigues Filho, nascido em 3 de junho de 1908 no Recife, teria. Ninguém foi tão decisivo para a existência do estádio do que o notável jornalista, irmão do não menos genial Nelson Rodrigues, incentivador como poucos do futebol carioca, um dos criadores do Torneio Rio-São Paulo, que cunhou a expressão Fla-Flu para consagrar o mais charmoso clássico do país e comprou em 1936 de Roberto Marinho o Jornal dos Sports.
O homem incansável, jornalista inquieto, escritor da obra-prima O negro no futebol brasileiro, mobilizou a sociedade do Rio de Janeiro nos anos 1940 com o debate sobre a construção de um estádio municipal na então capital federal. Bateu o pé contra a ideia de Carlos Lacerda de que Jacarepaguá fosse o cenário escolhido. Defendeu ardorosamente a obra próxima ao Centro e com capacidade para pelo menos 150 mil pessoas.
Vitorioso na ideia, viu a novidade receber o nome inicial de Estádio Municipal Mendes de Morais, em homenagem ao então prefeito, e a troca para Estádio Municipal do Maracanã, diante do desgaste do atraso das obras, do estouro do orçamento e, um toque de superstição, da derrota do Brasil por 2 a 1 de virada para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950.
O pernambucano Mário Filho, por muitos considerados o “pai do jornalismo esportivo” brasileiro, não viu o estádio pelo qual tanto lutou receber o seu nome. A homenagem só ocorreria um mês após sua morte, em 17 de setembro de 1966, com apenas 58 anos, em consequência de ataque cardíaco.
Os deputados que aprovaram o projeto esperam a sanção do governador em exercício, Cláudio Castro. Pelo oportunista e infeliz texto, o complexo do Maracanã continuaria com o nome do jornalista e o estádio em si passaria a ser Rei Pelé. Quase nenhum dos deputados que encamparam a ideia de jerico sabe da importância de Mário Filho para o principal palco do futebol do país. Digo quase porque, lamentavelmente, um desses parlamentares foi um craque campeão do mundo, que brilhou intensamente no campo: Bebeto, sempre simpático ao status quo do esporte nacional e jamais crítico de suas mazelas, como, por exemplo, o senador Romário, seu antigo parceiro de ataque.
O Rei Pelé está devidamente eternizado na história do futebol. Não precisava dessa bajulação de quem não tem mais o que fazer. Nem merece a “tabelinha involuntária” com tão infeliz iniciativa. Muito menos o sonhador Mário Filho, sem cuja luta não teríamos um Maracanã para reverenciar entre nossas glórias futebolísticas.