Resgate de Luciano Hortencio, publicado em Jornal GGN –
Francisco Alves interpreta TALENTO E FORMOSURA de Edmundo Otávio Ferreira e Catulo da Paixão Cearense.
Disco Odeon 10.709-A.
Novembro de 1930.
Arquivo Nirez.
Coisas que o tempo levou.
Nosso agradecimento ao amigo José Marcelo Corrêa pela lembrança e sugestão dessa edição, pela passagem do sexagésimo sexto ano de falecimento do grande Francisco Alves, em 27 de setembro de 2018.
Talento e Formosura
Tu podes bem guardar os dons da formosura
Que o tempo, um dia, há de implacável trucidar.
Tu podes bem viver ufana da ventura
Que a natureza, cegamente, quis te dar.
Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante
De glórias cheia no teu sólio triunfante.
Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu
A natureza irá roubando o que te deu
E quanto a mim, irei cantando o meu ideal de amor
Que é sempre novo no viço da primavera.
Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro
Será meu estro só do que for imortal
Tu podes bem sorrir das minhas desventuras
Pertenço à dor e gosto até de assim penar.
Eu tenho n’alma um grande cofre de amargura
Que é meu tesouro e que ninguém pode roubar.
Pois quando a dor vem me pedir alguma esmola
Eu lhe descerro as portas d’alma que a consola.
E dou-lhe as lágrimas que vão lhe mitigar o ardor
Que a inspiração dos versos meus só deu a dor.
Irei sonhando com o textor da solitária flor
Dar grande amor ao que for nobre e grande d’alma.
Darei a palma que tiver maior pureza
Voto à beleza, por si só, mortal horror.
Terei mais glória em conquistar com sentimento
Pensantes almas de varões de alto saber.
E com amor e com pujança de talento
Fazer um bardo ternas lágrimas verter.
Isso é mais nobre, mais sublime e deificante,
Do que vencer um coração ignorante.
Pois a beleza é só matéria e nada mais traduz
Mas o talento é só espírito e só luz.