Tanti auguri, Federico Fellini!

Compartilhe:

E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva ao mágico cinema de Fellini.

O cronista fala do filme “Os Palhaços” e aqui Fellini fala do filme:




Em Os Palhaços, você nunca vê o rosto da criança, porque ela está
dentro de mim. Fui totalmente inspirado por Little Nemo. (…) Quando  estudei  latim  na  escola,  fiquei  surpreso  ao aprender que ‘Nemo’ significa ‘ninguém’”.

“O filme tenta reproduzir  um  mundo,  um  ambiente,  de   maneira   vital.   Tenta   se   deter   nesta    dimensão,  procurando recriar a emoção, o encanto, a surpresa”.

Respeitável público, vamos ao texto de Cícero César, rufem os tambores!

“Eu, que procurava como quem não quer nada um filme de Fellini no Mubi, experimentei algo como um deslumbre. Topei com “Os Palhaços” (1970) justamente no dia de aniversário dele, um 20 de janeiro.
Fellini é de Oxóssi no Rio! E na Bahia, é de Ogum!


Embora eu tenha visto este filme já adulto, é como se estivesse vendo outro filme agora. Não me recordava do menininho abrindo a janela do quarto para ver o circo ser montado diante de seus olhos nem de outras cenas que se descortinaram.


Enfim, deve-se prestar atenção a tais estranhas coincidências. Logo agora que meu livro mais recente, o fabuloso “Circo (de bolso) Gilci”, está prestes a ganhar o mundo eu topo com o Grand Circo Fellino mais uma vez.


Por que me interessam Ken Loach, Krzysztof Kieślowski, Fellini, Agnes Varda, Truffaut, Kurosawa, Glauber Rocha, Walter Salles, Kleber Mendonça Filho, entre outros? Arrisco uma resposta para tamanho interesse nas linhas que seguem.

Minha geração, que viu duas vezes por ano no cinema os Trapalhões, que viu o cinema brasileiro no fundo do poço nos tempos de Collor, que viu o renascimento com “Carlota Joaquina”, que viu “Central do Brasil”, “Carandiru”, “Madame Satã”, “Amarelo Manga”, só para citar uns poucos, se caracteriza pela procura de filmes de gerações passadas. Com eles aprendemos, nos educamos.


Fellini está entre estes diretores-autores que sempre têm algo a ensinar. No barato, depois de um filme dele, saí-se mais apto a conversar sobre cinema, sobre cenas emblemáticas, sobre trilhas sonoras que pontuam ou que se descolam do filme de tão lindas que são.


Eu já tinha curtido o “Amacord” antes de ouvir o disco de Caetano Veloso que homenageia Fellini e Giulieta, antes de ter acesso ao Caetano Veloso prosador e crítico de cinema do livro “O mundo não é chato”. O que eu ouvi e li apenas confirmou o que intimamente eu soube: Fellini é um cineasta da recordação – e mais ainda quando a trilha sonora é de Nino Rota.


Há cerca de vinte anos eu estava entre os que ousaram pensar em um modesto cineclube em Bangu. Assistimos a “Amacord” em uma das primeiras reuniões.


Um segundo filme foi na casa de um rapaz que tinha o curioso epíteto de “Bonzinho”. Só que a mãe dele era uma fera. Assustei-me com uma ordem dela para sentar e por alguns instantes meio que perdi o fio da meada do filme. O cineclube era nosso, a casa dela, e pronto, cine que segue.


Se não me engano, era uma exibição de “Quanto vale ou é por quilo?” (2005), do Sergio Bianchi. Aquele final com o conto “Pai contra mãe” do Machado de Assis vale dez ingressos. Vale até a bronca da mãe do “Bonzinho”.


“Bonzinho” tinha uma irmã bem bonitinha. Na festa do casamento de um amigo em comum, dia de chuva tão torrencial quanto estas de 2024, ela, a mocinha do filme, fez assim para me tirar para dançar um xaxado no salão cheio das entreluzes. Eu relutei, ainda me faltavam uns bons copos de coragem. Não fui.


Depois, lá pelas tantas, deixei os braços mais pensos do que Carlos Drummond de Andrade, dei as costas para os amores possíveis, e adentrei a máquina do mundo – no caso, um ônibus -, de volta a o meu humilde lar. Lendo assim não parece nada. Mas garanto que se tivesse uma trilha sonora do Nino Rota, a cena virava um deslumbre.


Os filmes de Fellini volta e meia entram em cartaz no meu festival de cinema íntimo e particular. Eu ainda me lembro de Gradiva, a musa da cidade em “Amacord”, em um dia de inverno rigoroso em que tudo ficou branco, coberto de neve. A praça com sua fonte estava coberta de gelo. E Gradiva, a grã diva.


E ainda teve mais um Fellini neste cineclube de Bangu. Eu ainda me lembro de cenas de uma barulhenta Roma em “Vozes da Lua” (1990), filme do qual Roberto Benigni participou. Mas veja como são as coisas: eu conheci o Benigni (um outro “Bonzinho”, benigno? Santa coincidência) por intermédio do filme “A vida é bela” (1999). E quem se esquece de Sophia Loren dizendo: “Robeeerto!” quando foi anunciado o Oscar de melhor ator daquele ano?


Eu sei, algumas informações se misturam na minha cabeça. É cega a tesoura que remenda os meus filmes. Às vezes eu vejo melhor as cenas quando estou de olhos fechados. Seja como for, Fellini é uma referência para além das estações do ano e dos Estações da vida.

Cento di questi giorni!, Federico!”

Veja aqui texto sobre o filme “Os Palhaços”, com depoimento de Fellini.

https://cinemaitalianorao.blogspot.com/2018/10/palhacos-fellinianos.html

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Tags

Compartilhe:

Posts Populares
Categorias