Vivi praticamente 25 anos da minha vida no Bom Retiro, na região central de São Paulo. Era onde morava a minha mãe e o meu pai. Logicamente um bairro que tenho verdadeiro vínculo afetivo. Que faz parte da minha história. Mudei-me para a rua dos Bandeirantes, travessa da avenida Tiradentes, quando tinha apenas 2 anos de idade. Saí de lá com 26 anos.
Por Simão Zygband, compartilhado de Construir Resistência
O Bom Retiro era e é a Torre de Babel de São Paulo. Foi onde nasceu o Sport Clube Corinthians. Se formou com a imigração italiana, engrossada pela de judeus no pós-guerra e mais recentemente de coreanos. Mas também tem a colônia boliviana, armênia e muitos nordestinos. É lá onde fica a rua dos Italianos e também a minha escola que não existe mais, a Scholem Aleichem, que pertencia à Casa do Povo, que ainda hoje luta pela sobrevivência no mesmo prédio onde existe o também finado teatro Taib. Lutam há anos para reerguê-los.
Meu pai, sobrevivente de guerra do nazismo se reunia com outros judeus iguais a ele (e também sobreviventes do Holocausto) para falar o idish (língua tradicional judaica) no “pletzale”(pracinha), que ficava numa esquina da rua Ribeiro de Lima. Naquele lugar trocavam ideias na língua deles sobre os horrores da segunda guerra, como haviam conseguido escapar da fúria de Adolph Hitler. Por esta razão, o Bom Retiro também ficou conhecido com o gueto judaico, parafraseando o Gueto de Varsóvia. Muitos deles, inclusive meu pai, eram poloneses.
Agora o governador carioca e bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, num lampejo de ideia genial, como tudo que sai da cabeça de um fascista, decidiu transformar o Bom Retiro em um gueto com outra característica, uma nova Cracolândia. Quer fazer naquele bairro uma concentração de dependentes químicos. Naquele local, segundo ele, os usuários de drogas ficariam mais próximos do Complexo Prates, equipamento da Prefeitura que atende a população em situação de rua e também dependentes químicos, como o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps), além de uma unidade da Assistência Médica Ambulatorial (AMA).
“A gente quer levar essas pessoas para o Complexo Prates. Lá, eu tenho uma AMA, lá eu tenho um Caps e consigo deixá-los um pouco mais afastados da área residencial e da área comercial. Vamos ver se a estratégia vai dar certo. Vai dar certo? Não sei. Vamos tentar esse movimento agora para oferecer assistência imediata, sem tanto transtorno para a cidade”, afirmou o governador bolsonarista.
O ex-governador João Doria, também de triste memória, eleito no embalo do bolsonarismo com o qual depois rompeu (e foi enxotado por ele), do alto de sua arrogância, tinha decretado que havia “acabado com a Cracolândia”. Não só não conseguiu esta “proeza”, como aindou espalhou os usuários de crack por toda a região central. A Praça Princesa Isabel se transformou em uma deprimente concentração de usuários de drogas, afugentados pela força policial de ruas centrais como a dos Gusmões e Aurora.
Lidar com a questão dos usuários de drogas não é tarefa fácil. Quando prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, havia conseguido algum êxito (mesmo que embrionário) implementando projetos como o “De braços Aberto”, que empregava uma parte dos dependentes químicos em trabalhos de cuidados com a cidade. Também pagou moradias sociais em hotéis baratos da região. Tudo isso foi implodido por Doria.
Agora Tarcísio certamente vai amedrontar os lojistas do Bom Retiro, a maioria deles seus eleitores. Deverá descontentar judeus, coreanos, nordestinos, cristãos, armênios que possuem seus negócios neste centro de atacado e varejo, sobretudo na rua José Paulino, que fica muito próxima do Complexo Prates.
Espero que ele não utilize força policial para levar os dependentes químicos para o Bom Retiro.
Simão Zygband é jornalista profissional desde 1979. Trabalhou em TVs, rádios e jornais de São Paulo, onde foi respectivamente pauteiro, repórter e redator. Foi funcionário das TVs Bandeirantes, SBT, Gazeta, Record e dos jornais Notícias Populares, Diário Popular, Diário do Grande ABC , Diário do Comércio, entre outros. Foi coordenador de Comunicação no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (onde editou o Jornal Unidade) e redator do jornal Plataforma do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Também fez assessoria de comunicação em campanhas eleitorais e mandatos parlamentares. Trabalhou na Comunicação de Secretaria Municipal de Transporte de São Paulo. Foi diretor da Rádio e TV Educativa do Paraná e Secretário Municipal de Comunicação da prefeitura de Jacareí, São Paulo.