Mudança no orçamento aconteceu após início da Operação Escudo; governador realocou também dinheiro que iria para câmeras
Por Rafael Custódio, compartilhado de A Pública
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), transferiu R$ 22 milhões do serviço de inteligência da Polícia Civil de São Paulo para pagar diárias de policiais militares. A transferência, segundo a Agência Pública apurou, aconteceu após o início da Operação Escudo na Baixada Santista, que resultou em 28 mortes em 2023. A decisão foi tomada para abrir um crédito extra para o orçamento da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
A assinatura do decreto ocorreu no 21º dia após o início da operação, deflagrada em 28 de julho, depois do assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos, da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).
Além dos R$ 22 milhões que PM recebeu a mais da Polícia Civil, a transferência realizada pelo governador colocou outros R$ 18 milhões na corporação. Esse dinheiro veio do orçamento do Corpo de Bombeiros e das câmeras corporais utilizadas pelos policiais militares – apenas das câmeras foram R$ 11 milhões.
A utilização desses equipamentos foi criticada pelo ex-secretário de Segurança Pública, o deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP), ao alegar que o uso do equipamento “reduziu o número de prisões, reduziu de apreensões de armas, reduziu o número de apreensões em armas e uma série de coisas que nos levam a crer que inibiu a atividade policial”, em reunião na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Questionada se o valor foi destinado para os gastos com a Operação Escudo, a SSP, sob a gestão de Derrite, disse que “no caso da suplementação citada, destinada à Polícia Militar (PM), ela foi distribuída, por meio de critérios técnicos, para a manutenção da Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar (Dejem) em todo o Estado, sem ter como destinação específica qualquer operação”. [Nota na íntegra]
Verba para policiais militares é o dobro da que vai para os civis
Segundo o relatório de contas do governo do estado de São Paulo de 2023, estavam previstos R$ 189 milhões no orçamento para a inteligência da Polícia Civil. Esse valor se transformou em R$ 123 milhões no orçamento atualizado do estado. Ao final do ano, contudo, o valor de fato executado foi de R$ 120 milhões.
O orçamento para a PM como um todo é aproximadamente o dobro que o da Civil. Para 2023, o orçamento atualizado para a PM foi de R$ 10,3 bilhões para a PM e R$ 5,1 bilhões para a Polícia Civil. Na prática, o governo gastou R$ 9,8 bilhões com os militares e R$ 4,9 bilhões com os civis.
“Nós visualizamos o direcionamento da política de segurança pública com foco na Polícia Militar em detrimento da Polícia Civil, que é a Polícia Investigativa”, avaliou André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo (Adpesp).
O presidente da Adpesp explica que esse dinheiro pode fazer falta no orçamento para compra de equipamentos e qualificação do efetivo na investigação de cibercrimes, por exemplo.
“Então, a delegacia especializada em cibercrimes e as outras delegacias de polícia que obviamente desempenham essa atividade de investigação no âmbito dessas fraudes ficam prejudicadas. Nós poderíamos ter a compra de equipamentos, nós poderíamos ter o investimento também na qualificação dos policiais para combaterem esse tipo de crime porque são crimes que demandam uma qualificação específica e há necessidade de treinamento nesse sentido”, disse Pereira.
A SSP, por sua vez, respondeu que a verba remanejada não impactou o orçamento previsto da Polícia Civil. “Em 2023, houve um aporte de R$ 44 milhões de outros recursos no orçamento da instituição, que neste ano recebeu outros R$ 73 milhões de recursos que não são estaduais. Esse valor se somou ao orçamento para 2024 (R$ 5,9 bilhões), que foi ampliado em 13,4% em relação ao ano anterior”, disse em nota.
“Essas e outras iniciativas, como o investimento de R$ 404 milhões para a compra de 1,2 mil viaturas e 15,4 mil armas, se refletem na produtividade das polícias no primeiro bimestre do ano”, completou a pasta.
Governo de São Paulo gastou metade do orçamento para câmeras corporais
A utilização de câmeras de gravação corporais por policiais militares é recomendada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) para uso de agentes de segurança pública com o intuito de garantir a transparência e segurança dos policiais e da sociedade civil.
Em 24 de abril, o governador Tarcísio de Freitas firmou um compromisso com o Supremo Tribunal Federal (STF) em que se compromete a implementar o uso de câmeras corporais no efetivo da Polícia Militar durante operações.
Inicialmente, a gestão Tarcísio previa que seriam investidos R$ 152 milhões na aquisição e manutenção das câmeras corporais utilizadas pela PM. O valor atualizado desse orçamento ficou em R$ 95 milhões. O valor efetivamente executado, isto é, que foi gasto, foi R$ 84 milhões, aproximadamente a metade do orçamento inicial.
Sobre os valores retirados do orçamento destinado à compra de câmeras corporais, a pasta de Segurança respondeu que “o programa de câmeras corporais, por sua vez, faz parte de um arcabouço tecnológico em execução pela pasta e sua expansão tem sido planejada estrategicamente, de maneira responsável e com alocação adequada de recursos, elaboração de procedimentos licitatórios e logística de capacitação de seus operadores”.
De acordo com a SSP, até agosto de 2023, cerca de 10 mil câmeras estavam em operação. Até maio de 2024, será aberto um edital para a contratação de outras 3.125. Em 2023, o UOL publicou reportagem que mostra que policiais têm manipulado o sistema das câmeras corporais.
Desgaste entre as polícias
Para o presidente da Adpesp, André Pereira, há uma desvalorização da investigação policial. “Aos poucos nós vemos ações que indicam isso: a militarização, sim, da segurança pública em detrimento da investigação policial, que é competência da Polícia Civil”, argumentou. “Se nós temos algo a melhorar em razão do atendimento das delegacias, nós precisamos investir nas delegacias”, acrescentou.
Em 7 de abril, o subcomandante da PM de São Paulo, coronel José Augusto Coutinho, publicou uma ordem preparatória que prevê que policiais militares possam investigar crimes de menor potencial ofensivo, elaborar termos circunstanciados – que são registros de crimes de menor potencial ofensivo, cujas penas não ultrapassam os dois anos –, além de apreender materiais para que sejam encaminhados à perícia. Essas funções são exclusivas da Polícia Civil. O decreto prevê também que os policiais militares deverão passar por treinamentos para essas funções.
Em conversa com membros da cúpula da Polícia Civil paulista, a medida foi duramente criticada, escancarando as rusgas entre as duas corporações.
No dia 23 de abril, houve uma reunião entre as chefias das polícias paulistas e foi decidido que um grupo de estudos seria formado para avaliar o decreto e sua viabilidade.
Edição: Bruno Fonseca