2020, o ano em que aprendemos a sorrir com os olhos
Por Camilo Vannuchi, jornalista
Após nove meses usando máscara, tenho sentido muita falta de sorrisos. De sorrir, também, mas sobretudo de ver outras pessoas sorrirem.
Tem um componente nessa equação que é o fato de sorrisos andarem mesmo em baixa. Não tenho provas, apenas convicção. Falo de forma intuitiva, sem nenhuma amostragem estatística, probabilística ou representativa de coisa alguma.
Apenas desconfio: sorrimos menos em 2020.
Mas tem outro componente, que tem me incomodado: o sorriso tampado, escondido, oculto. O sorriso por trás da máscara.
Hoje não vi o sorriso da moça da quitanda, nem o sorriso do moço do posto de gasolina. Sei que eles sorriram. Sei pelo olhar, pelos pés de galinha, pela inclinação da cabeça. Mas queria muito ter podido enxergar aqueles sorrisos.
Quem me conhece sabe que, embora eu trate constantemente nos meus escritos de temas duros, com a gravidade e a urgência que eles merecem, eventualmente de forma circunspecta, sou frequentemente um brincalhão, um adepto dos chistes e das blagues, um otimista teimoso.
Não sei contar piadas. Piada é outra coisa. Mas fico feliz quando faço alguém sorrir. E, de muitas pessoas, guardo sobretudo o sorriso.
Lembro dos sorrisos de alguns professores, de alguns entrevistados, de ex-namoradas, de colegas e alunos. Até isso perdeu a graça.
Hoje falei alguma coisa que fez a moça da quitanda sorrir, mas não é a mesma coisa quando não posso ver o sorriso. Hoje falei alguma coisa que fez o frentista sorrir, mas não é a mesma coisa quando não posso ver o sorriso.
Pelo menos estão usando máscara. E isso é bom. Mais vale um sorriso adiado do que um sorriso interrompido.
