“Tem que fuzilar aquilo que não presta”, diz vereador e corregedor da Câmara de Poços de Caldas

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“Não cabe imunidade [parlamentar] para incitação à prática de crimes, no caso, homicídio”, diz advogado defensor dos direitos humanos

Por Cintia Alves, compartilhado de Jornal GGN




A Câmara Municipal de Poços de Caldas, em Minas Gerais, assistiu passivamente a um episódio “escabroso” nesta semana. O vereador Sebastião Roberto dos Santos (Republicanos) defendeu que toda “pessoa de bem” deveria ter o direito de “fuzilar aquilo que não presta”. Ironicamente, Santos é o atual corregedor da Casa, ou seja, cabe a ele corrigir abusos e aplicar o Código de Ética quando há quebra de decoro parlamentar.

A declaração do vereador defendendo o fuzilamento e o extermínio de pessoas, tudo em nome da propriedade privada, ficou gravada nos anais da Câmara [assista abaixo]. Tudo aconteceu durante a sessão do plenário que aprovou o projeto de lei 102/2022, de autoria do vereador Kleber Gonçalves da Silva (Novo), que insere no calendário municipal um dia de celebração aos CAC’s (colecionadores, atiradores e caçadores).

Santos – que também é autor de moções de repúdio à “censura” do Tribunal Superior Eleitoral contra veículos de comunicação alinhados à fracassada campanha de reeleição de Jair Bolsonaro – incluiu os trabalhadores “sem-terra” na categoria do que “não presta” e deve ser fuzilado.

“Eu votei favorável porque se tem que andar armado, é a pessoa de bem. (…) Pode ver que os ‘sem-terra’ invadem terras, pegam pessoas desprevenidas, sem armas. (…) A pessoa de bem tem que estar armada para defender seu patrimônio. Dentro do seu direito – daqui uns dias vai ter uma lei – dentro do seu direito, você tem que fuzilar aquilo que não presta”, disparou o vereador na sessão de 8 de novembro de 2022.

“Eu sou meio pavio curto. O que não presta tem que exterminar por si próprio. E aquele que invadir sua casa, sua propriedade, sua terra, você tem que estar preparado para receber com uma .12 bem calibrada“, acrescentou o bolsonarista.

Na visão do advogado Ariel de Castro Alves, presidente do braço paulista do Grupo Tortura Nunca Mais, o vereador Sebastião Roberto dos Santos “cometeu crime e precisa ser investigado pela Polícia Civil, pelo Ministério Público e pelo conselho de ética parlamentar. E há improbidade administrativa, por usar bens públicos para o cometimento de crime de incitação à violência e assassinatos.”

Confira o discurso

Discurso de ódio e imunidade parlamentar

Na leitura de Ariel de Castro Alves, defensor dos direitos humanos e especialista em segurança pública, o discurso de Sebastião Roberto dos Santos dá margem à defesa do fuzilamento de pessoas “por razões políticas, ideológicas, raciais, regionais e sociais”.

Presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB de Poços de Caldas, Thiago Ramalho manifestou em nota exclusiva ao GGN que “a discussão sobre a ampliação ou restrição do acesso às armas é natural e intrínseca ao processo de amadurecimento da democracia. No entanto, há que se ter cautela para que este debate jamais descambe, ainda que acidentalmente, para discursos que traduzam ódio e desinformação”.

Segundo Ramalho, este tipo de discurso impõe riscos a direitos constitucionais. Ele citou o direito à dignidade da pessoa humana e ao pluralismo político, previstos no artigo 1ª da Constituição, e os objetivos fundamentais da República previstos no artigo 3º, como o direito de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Na visão de juristas consultados pelo GGN, o corregedor da Câmara de Poços transcendeu a imunidade parlamentar e incorreu no crime previsto no artigo 286 do Código Penal, que enquadra aqueles que, publicamente, fazem apologia ao crime.

“Certamente não cabe imunidade para o crime de incitação à prática de crimes, no caso, homicídio. A imunidade parlamentar se restringe ao direito de opinião, e não ao direito de usar o Parlamento para incentivar extermínios e homicídios de pessoas. Quem é ele para decidir quem presta e quem não presta?”, disse Castro.

Não é a primeira vez que Sebastião Roberto dos Santos se envolve em polêmicas. “Esse vereador tem feito falas pesadas em muitas sessões. Recentemente, se referiu ao presidente Lula como ‘nove dedos’, tendo inclusive provocado o conselho da pessoa com deficiência a enviar uma carta protestando contra tal fala”, relatou ao GGN o vereador Tiago Braz (Rede).

Indignando uma minoria na Câmara, Santos também usou o livro sagrado dos cristãos para justificar a ideologia armamentista. “O senhor Jesus, numa ocasião, viu um confronto e disse: ‘você que tem duas túnicas, troque por uma espada’. Na época não tinha escopeta, não tinha carabina, não tinha pistola. Se arme, porque a peleja vai ser ferrenha”, recomendou o pastor, enquanto uma frequentadora de sua igreja acompanha a sessão.

Em entrevista ao GGN, a vereadora Luzia Teixeira Martins (PDT) rebateu o colega: “Ele usou uma passagem do Evangelho que não condiz com o que ele arguiu. Jesus nunca falaria isso.” Para a parlamentar, o discurso do colega é “inconcebível”, sobretudo porque tem potencial de “influenciar” outras pessoas.

Nesta quinta (10), alguns vereadores se reuniram para discutir as providências cabíveis. Luiza disse que o grupo pretende elaborar e enviar, até a próxima semana, um ofício ao presidente da Câmara, já que a Corregedoria é comandada pelo próprio Sebastião Roberto dos Santos desde 2021.

Santos, no entanto, tem apoio da maioria dos parlamentares e, a depender deles, provavelmente não sofrerá consequências duras pelo discurso.

GGN acionou a assessoria de imprensa e solicitou um posicionamento oficial à Presidência da Câmara de Poços, ocupada pelo vereador Marcelo Heitor da Silva (PSC), mas não obteve retorno até o fechamento.

A redação também procurou o gabinete de Sebastião Roberto dos Santos na tarde desta quinta-feira (10), mas não conseguiu localizar o vereador. O espaço segue aberto.

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