Por Arnaldo César, Blog Marcelo Auler –
Qualquer recruta recém-chegado no quartel sabe que o Exército não é força de contemplação. Ao contrário. Trabalha sobre a lógica da eliminação de alvos e de inimigos. Quem já passou por uma escola militar, certamente, já ouviu a história da velinha e uma criança de colo que estão cruzando uma ponte prestes a ser dinamitada por um grupamento militar.
Aos iniciantes pergunta-se: o que fariam numa situação dessas? Aguardariam a senhora e sua acompanhante a completar o trajeto e depois executariam a missão? Antes de levarem uma bronca do instrutor todos optam por dar uma chance à dupla. A lição é que a destruição terá que ser feita não importando quem esteja dentro o próximo do alvo.
Essa história de caserna é corriqueira. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o presidente golpista Michel Temer parecem desconhecê-la por completo. Talvez, se soubessem não teriam colocado a principal força militar do País numa roubada de tamanha envergadura: conter matanças em presídios.
No final de 1994, o recém-eleito governador do Rio, Marcello Alencar – temendo a escalada da violência no Estado que ia comandar – não se conteve e pediu a intervenção das Forças Armadas. Como era o desejo dele, as favelas foram sitiadas, em novembro daquele ano, nos estertores do segundo governo de Leonel Brizola (na verdade, quem ocupava a cadeira no Palácio Guanabara, naqueles dias, era o vice Nilo Batista).
As incursões nos morros receberam os nomes de: “Operação Rio I e II”. Foi um tremendo fracasso. Depois se repetiram nos anos 2000 para a implantação das UPPs. Por muita sorte, não se registraram confrontos sangrentos. Embora inocentes tivessem sido torturados e se registrassem muitas trocas de tiros. A captura de armas, drogas e de bandidos seguiu o mesmo padrão do que vinha sendo realizado pelas forças policiais locais.
O coronel PM, Jorge da Silva, um dos pioneiros do estudo da violência nas grandes metrópoles , analisou os resultados desta aventura do tucano Marcello Alencar. Em 1995, recorda Silva, o número de homicídios no Estado do Rio bateu o recorde ao atingir 8.348 ocorrências. A bandidagem, depois da presepada de colocarem canhões mirando para favelas, saiu mais fortalecida do episódio. Se eram 3 mil, em 94, no ano da ‘Operação Rio”, em 95, já somavam 5 mil bandidos em armas.
Duas das instituições de maior credibilidade do País – o Exército e a Marinha – saíram humilhadas daquela encrenca. Já se passaram 23 anos da desastrada experiência e a lição não foi absorvida. Resta torcer para que os mil militares que serão mandados para colocar ordem nos presídios comandados pelo PCC e FDN não saiam de lá mortos ou humilhados.
Todo mundo já disse e escreveu que o usurpador Temer e seus jacarés amestrados não são os únicos responsáveis pelas cabeças cortadas e corações arrancados da mais recente crise da segurança pública brasileira. A coisa vem de longe. Do fim da ditadura para cá todos os governantes tiveram oportunidade atacar o problema. O fizeram com paliativos.
O pendular Temer está conduzindo a questão ao seu modo. Numa hora, minimiza as carnificinas nos presídios chamando-as de “acidente”. Depois, recrudesce prometendo mandar o Exército. E, muito provavelmente irá recuar, quando os amotinados do PCC e demais organizações criminosas direcionarem seus facões para os pescoços dos soldados.
Assim como na liberação (e agora contenção) dos créditos do FGTS, o atarantado Temer joga para a plateia. É oportuno lembrar que não está sozinho nesse picadeiro.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, é outra que começou a andar de ladinho quando o bicho começou a pegar nos Amazonas, Rondônia e Rio Grande do Norte. Para conter a sanha da bandidagem em guerra aberta pelo controle dos tráficos de drogas e armas em todo o País, ela sugere a realização de um novo censo para medir a população carcerária brasileira.
Não há censo que dê jeito na barbárie incrustada nas cadeias. Estudos, teorias e planos existem aos borbotões. A cada crise dessas proporções os especialistas danam a produzir soluções. Que tal começar pela mais prosaica de todas as iniciativas: evitar a entrada de armas e telefones celulares nos presídios?
(*) Arnaldo César é jornalista e colaborador do Blog.