Temporada de caça ao Lula: de marceneiros e caras de pau

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Por Washington Luiz Araújo, jornalista, Brasil 247 – 

Se existe uma outra dimensão, o que estará pensando o jornalista Claudio Abramo sobre o jornalismo praticado hoje pela maioria dos veículos de comunicação do país, em alguns dos quais ele trabalhou? A pergunta tem me vindo à mente com frequência, e aconteceu de novo neste fim de semana, quando o jornal “O Globo” acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer lobby a favor da Odebrecht. Manchete desmentida pelo ex-presidente do Brasil e pelo primeiro ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, para o qual, de acordo com a publicação, Lula teria intercedido em nome da construtora.

No livro “Regra do Jogo – o jornalismo e a ética do marceneiro”, Cláudio Abramo afirma: “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não ir para a cadeia.”




Ao publicar, em seu site, as perguntas feitas pelo jornal e as respostas da assessoria de imprensa, o Instituto Lula provou que “O Globo” omitiu e mentiu na reportagem de domingo, 19 de julho, e um dia após veio o desmentido do primeiro ministro de Portugal.

Trecho da nota do Instituto Lula: “Em mais uma matéria que não diz nada, o jornal O Globo não se atenta aos fatos e faz distorções para prejudicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (…) As mensagens trocadas entre repórter e assessor, em circunstâncias normais, deveriam ser apresentadas aos leitores do jornal na matéria, mas entendemos que a necessidade de criminalizar as atividades de Lula vai além da normalidade e das boas práticas jornalísticas.”

Palavras do primeiro ministro de Portugal: “O ex-presidente Lula da Silva não me veio meter nenhuma cunha para nenhuma empresa brasileira. Para ser uma coisa que toda a gente perceba direitinho, é assim. Não me veio dizer: há aqui uma empresa que eu gostava que o senhor, se pudesse, desse ali um jeitinho. Isso não aconteceu. E nem aconteceria, estou eu convencido, nem da parte dele, nem da minha parte”.

Se um marceneiro fizer uma cadeira com uma ou duas das pernas menores com o objetivo de enganar o cliente, será descoberto em seguida. Certo? Pois bem, “O Globo” foi desmentido de imediato pelo Instituto Lula e, em seguida, um dia após, pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. O que diz Claudio Abramo sobre esse tipo de comportamento no jornalismo: “Onde entra a ética. O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outras profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista.”

Circula ainda nas redações a desculpa de que se precisa do emprego; de que, se não se fizer o que o patrão quer, outro virá e fará. Nada mais hipócrita. Recorro também a Claudio Abramo que, de forma sucinta, aborda essa falácia: “Evidentemente, a empresa tem a sua ética, que é a dos donos. Pode variar de jornal para jornal, mas o que os jornalistas deveriam exigir seria um tratamento mais ético da empresa em relação a eles e seus colegas. Isso não tem acontecido. É preciso uma atitude muito ética dentro da redação: os chefes e os responsáveis pelo jornal têm de dar o exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos. Um chefe de redação que tolera hipocrisia e golpes baixos contra funcionários do jornal perde a ética e o direito de usar essa palavra.”

Atitudes como a praticada por “O Globo” têm sido, infelizmente, rotineiras em nosso jornalismo. A intenção é que a cadeira com duas pernas menores seja comprada e que o cliente não constate o defeito. Os consumidores de notícia, cedo ou tarde, percebem o falsear da cadeira, mas quem a faz sabe que está fabricando algo ilegal no ato da confecção.

Quando escreveu o livro “Regra do Jogo…”, em 1997, Claudio Abramo já percebia o defeito da cadeira e encerrava assim um capítulo do livro: “É preciso ter consciência. O que se procura, hoje, é exatamente tirar a consciência do jornalista. O jornalista não deve ser ingênuo, deve ser cético. Ele não pode ser impiedoso com as coisas sem um critério ético. Nós não temos licença especial, dada por um xerife sobrenatural, para fazer o que quisermos”.

Pela evolução ou involução da “marcenaria”, tem muita gente que acha que esse xerife extraterreno já concedeu a tal licença especial. Nomes, favor enviar para a redação.

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