Teófilo Antunes, professor de Topografia

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Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Desta vez, Cícero César fala de um tipo inesquecível, o seu professor de Topografia. 

César fala também do seu martírio com a régua T e lembrei-me do meu sofrimento com a régua de Cícero no curso de Jornalismo. Era uma medida para diagramação na época das antigas, não tinha a ver com topografia, mas tinha muito com tipografia. Tudo parecido e doído (Washington Luiz Araújo).  




De cabelos grisalhos, sempre bem penteados para trás. De estatura acima da média, de uma magreza elegante. De rosto comprido, de óculos de armação de tartaruga.  Bigode, sim, tinha bigodes. Não fosse tão espichado, dir-se-ia que o professor Teófilo Antunes se assemelhava ao professor Antonio Candido. Talvez fosse um duplo do mestre, quem sabe.

Teófilo Antunes era de outro tempo, disso não havia sombra de dúvida. Ainda usava guarda-pó, com o nome bordado em um dos bolsos, por sobre a roupa. Não sei se usava chapéu coco e bengala fora da escola, o clima do Rio de Janeiro não favorece tais combinações. Mas lhes garanto: ele era capaz de chamar aluna de senhorita. E de dizer: “Que maçada!”

Para se ter uma ideia geral, ele fora o professor de uma de nossas professoras. Foi ela mesma quem nos disse sem esconder o orgulho. E olha que ela era do tipo que tinha fiapos de barba branca no queixo e tudo. Mas quem ficou de queixo caído fomos nós.

Eu gostava da presença de espírito dele. Não da matéria propriamente, porque eu não entendia nenhuma daquelas matérias técnicas do curso técnico do segundo grau em Edificações – sou desse tempo, não me leve a mal, não tem esse papo de Ensino Médio reformado profissionalizante ou coisa que o valha. Eu carregava aquela régua T como quem carregasse uma cruz sem ser CrisTo.

Lembro-me da régua T porque nossas aulas eram ministradas em uma sala especial. Em vez de cadeiras e carteiras, tínhamos banquetas e mesas de desenho.

Teófilo Antunes, apesar de muito científico, não gostava de provas de múltipla escolha.  Ouvi-o contar, mais de uma vez, esta história que ilustra bem o seu senso de humor:

“Há de chegar a hora em que uma prova ficará assim:

Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Ca_ _ _ _ :

a)      bral.

b)     brel.

c)      bril.

d)     brol.

e)      brul.”

E ainda concluía a crítica com fecho de ouro, ao dizer que alguns alunos escolhiam a opção C talvez porque “Se é bom para a Bombril é bom para o Brasil!”

A escola é ótima condutora de memórias. Talvez tenha me lembrado deste professor de topografia ao observar, no espelho, os meus cabelos grisalhos; e no meu dia a dia, as minhas piadas já apontam para um abismo entre mim e os alunos. 

Longe de mim cultivar bigodes, sempre achei tal adereço dispensável, cafona até, coisa que só fica bem em homens como Teófilo Antunes e Antonio Candido. Vou de aparelho de barbear em formato de T.

Por onde andará Teófilo Antunes? Ele deve estar com seus cem anos ou mais.  Lá vem ele com seus instrumentos de topografia. Lá está ele, regulando um aparelho que se parece com máquina fotográfica, com aqueles tripés. Com aquilo ali, ele é capaz de medir o céu e o inferno.

E eu, que não meço nem começo nada, não sei onde foi parar minha régua T.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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