Ter coragem para evitar o pior. Carta de professores da USP sobre Israel/Palestina

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Somente a devolução dos territórios palestinos trará compromisso com a paz

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Destroços de prédios após bombardeio de Israel na Faixa de Gaza – Ibraheem Abu Mustafa –
17.out.23/Reuters –

Enquanto assistimos horrorizados à intolerável perda de milhares de vidas e ao enorme sofrimento do povo palestino, vemos com grande preocupação o assédio e a tentativa de
silenciamento das opiniões divergentes que fazem parte do debate público. Associar a defesa da causa palestina —o direito inalienável deste povo de viver em seu próprio território, respeitando todas as resoluções da ONU— ao antissemitismo e apoio ao terrorismo é operação sumamente desonesta e afronta aos direitos humanos.

Não é aceitável, sob nenhum argumento, a existência de um povo apátrida, vivendo segregado e em condições de um apartheid. Menos aceitável é a ausência de indignação internacional e de pressão institucional contra o governo israelense para que respeite a norma internacional, cumprindo as exigências da ONU sem subterfúgios.

Qualquer análise honesta de como chegamos a esse ponto de violência extremada deve começar lembrando que os palestinos que optaram por uma saída diplomática para o conflito com Israel foram traídos. A narrativa que não parta das razões do fracasso histórico
dos acordos de Oslo e da total inação da comunidade internacional é falsa e enviesada. A falta de respeito a acordos internacionais de paz sempre produziu as piores consequências.

A tolerância da comunidade internacional com o desrespeito por Israel dos compromissos assumidos permitiu que ali se consolidasse um regime de apartheid contra os palestinos com o intuito de manter a dominação de um único grupo étnico e nacional. Não obstante 20% da população de Israel ser formada por palestinos, em 2018 foi aprovada a Lei Básica
do Estado-Nação, afirmando que “o direito ao exercício da autodeterminação nacional no Estado de Israel é exclusivo ao povo judeu”. Consolidava-se, assim, um sistema de segregação e desigualdade institucionalizada por leis e políticas em toda a Palestina histórica.

Neste momento, é incontornável enfrentar corajosamente o problema que afeta o mundo inteiro: a paz no Oriente Médio depende do fim da ocupação ilegal dos territórios palestinos e do apartheid. A circulação de discursos sobre a “enorme complexidade” da situação é falaciosa e tem como objetivo ocultar a continuidade da limpeza étnica do povo palestino.

A única resposta à tal dissimulação da realidade é a exigência de que finalmente os direitos
inalienáveis do povo palestino sejam respeitados por Israel com a devolução dos territórios
da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e das colinas de Golã.

O sistema de segregação e discriminação contra o povo palestino, na sua própria terra, precisa dar lugar a um regime de respeito universal a todos que ali vivem. Somente o compromisso com a paz real, com soluções duradouras ancoradas no direito internacional e
com o respeito à liberdade de expressão, pode produzir a consciência mundial capaz de eliminar as supremas injustiças a que os palestinos continuam submetidos.

Caso contrário, como disse José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura: “Um dia se fará a história do sofrimento do povo palestino e ela será um monumento à indignidade e covardia dos povos”.

Arlene Clemesha
Professora de história árabe (USP)

Marilena Chaui
Professora emérita de filosofia (FFLCH-USP)

Paulo Sérgio Pinheiro
Professor de ciência política (FFLCH-USP) e ex-ministro de Direitos Humanos (governo FHC)

Vladimir Safatle
Professor de filosofia (FFLCH-USP)

Leda Paulani

Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da USP

Carlos Augusto Calil

Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP

* Os autores escrevem em nome de um grupo maior de docentes da Universidade de São Paulo

Publicado originalmente na Folha de São Paulo.

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