Texto sobre os 50 anos do Bip Bip, em 2018

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50 Anos são Bodas de Sangue –

Por Marcelo Moutinho, jornalista




Na primeira vez que fui ao Bip Bip, movido pela fama da boa música, detestei o lugar. Estava lotado. Não havia nada para comer nem espaço para quem quisesse ouvir a roda de samba, já que os instrumentistas ocupavam praticamente toda a minúscula área física do bar. E o dono parecia nervoso. Ordenava, aos berros, que os frequentadores fizessem silêncio. Quando pediu a palavra e bradou “Somos todos uns filhos da puta”, me mandei.

Mas eu voltaria. E ouviria outras tantas vezes o auto-xingamento que, afinal, se justificava: ele se referia à nossa incapacidade de olhar para o outro, de estender a mão. Quem nunca? Foi assim que conheci Alfredo Jacintho Melo, o Alfredinho.

Não demorou e me tornei assíduo no Bip. Aos domingos, então, era garantido bater ponto lá. Depois, saía com Alfredinho e a saudosa Regina para forrar o estômago e tomar a saideira num dos restaurantes habituais do casal: Alcazar, Lamas, Sindicato do Chope, Sat’s. Nosso papos sempre valeram a ressaca do dia seguinte.

Como escrevi certa vez, Alfredinho é a personificação do poema de Maiakovski: “Todo coração”. Apaixonado pelo Botafogo e pela Mangueira, socialista e cristão daqueles que vão mesmo à missa, atua como elemento aglutinador daqueles que se reúnem no Bip ao crepúsculo de cada dia, bafejados pela maresia de Copacabana.

O Bip é seu espelho, alma refletida. Impossível distinguir a borda entre um e outro. Se hoje o miúdo bar é tido como signo da mais tradicional boemia carioca e reduto do melhor da música brasileira, com rodas de choro, samba, bossa nova, deve-se a esse pequeno grande homem capaz de gritar toda a miríade de palavrões do dicionário e, na sequência, cumprimentar o interlocutor com um beijo afetuoso no rosto.

Foi ele quem deu o tom politizado que o Bip tem. Foi ele quem atraiu para seu boteco, como um ímã do bem, tanta gente que lá encontrou seus amigos, seus pares – ou a si mesmo. Alfredinho criou uma confraria sem bolas pretas, as portas sempre abertas a quem quiser se chegar.

No Bip, não há garçom. Os próprios fregueses é que pegam sua cerveja na geladeira e em seguida avisam ao dono. Sentado na entrada do bar, com a indefectível combinação de camisa de mangas curtas e bermuda jeans – só o vi de calça uma vez -, ele anota a conta de cada um no seu caderno, em confiança.

Os já conhecidos são registrados pelo nome. A turma novata ganha alcunha na hora: “Tricolor”, se está com a camisa do Fluminense; “Loirinha”, se tem cabelos claros; “Barba”, se o rosto é hirsuto.

Hoje sou frequentador menos habitual, mas no domingo passado estive lá. Para chamar encantamento – como dizia Vinicius de Moraes quando queria tomar uns copos – e ouvir o tradicional discurso do Alfredinho.

Dessa vez o tema era a Ceia de Natal para os Pobres, um dos tantos projetos sociais de seu, nosso, bar.

O Bip é uma utopia, costuma repetir meu camarada Hugo Sukman. Já não acredito em utopias, mas é bom saber que existe uma ali, tão próxima.

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