Por Washington Luiz de Araújo, jornalista –
Tia Mariquinha, 105 anos, se encantou hoje, às 10 horas da manhã. Irmã mais velha do meu pai, Luiz Otávio, Tia Quinha (como os centenas de sobrinhos a chamavam) foi uma guerreira.
No caminho dos seus mais de cem anos, Mariquinha passou por poucas e boas. Conviveu de Lampião a Luiz Gonzaga, secas terríveis…
Sempre justa, correta, carinhosa e muito religiosa, Tia Quinha viu seu marido falecer aos 95 anos, o tio Neo, e, nos últimos anos, três dos 13 filhos. Isso foi o que mais a entristeceu. Meu avô Otávio foi pai de mais de 30 filhos – 17 do primeiro casamento e 13 do segundo, pois ficou viúvo se se casou novamente. Faleceu com 92 anos, tendo deixado o filho mais novo com 14.
Quando Tia Quinha completou 100 anos, em 2012, os filhos, netos, sobrinhos, noras e amigos fizeram uma grande festa para mais de 400 pessoas, em Recife. Poucos dias antes desta mais do que merecida comemoração, comentei sobre a festa com meu pai, que morava em São Paulo, e estava bem doente, vítima de câncer. Ao comentar, me veio uma luz. Perguntei: “Pai, o senhor gostaria de ir ver a Tia Quinha?” A reposta imediata e entusiasmada foi sim. Mas em seguida, mostrou um semblante de desânimo, pois previa ser impossível. Logicamente, os médicos desaconselharam, pois seria muito esforço para quem já estava tão combalido. Venceu a emoção e fomos: eu, meu pai e minha mãe, Inez.
Alegria sem tamanho. Chegando na casa, Tia Quinha fez questão de ceder seu quarto no térreo para o meu pai, indo dormir na parte de cima da casa. Subindo e descendo a escada sem maiores problemas durante toda a semana festiva. Felicidade plena.
Na nossa despedia, Tia Quinha lá estava no portão, chorando, emocionada, pois sabia que aquela seria a última vez em que veria o irmão. Meu pai faleceu 41 dias depois, aos 83 anos.
Tia Quinha, Mãequin, Vóquin, Vó Quinha foram alguns dos nomes que Dona Mariquinha passou a colecionar na vida. Foi testemunha ocular de grande parte da história de nossa família, tendo vivido praticamente todo o século 20 e boa parte do 21. Com ela, se vai uma memória fabulosa. Sabia de todos os grandes acontecimentos havidos com a família.
Antoine de Saint-Exupery dizia que “aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. Certamente, o legado de Tia Quinha é enorme para nós. Mariquinha, que deixou muito de si.
Outro dia, aqui falava com tristeza da passagem de um grande amigo, o percussionista Laudir de Oliveira, em 17 de setembro último. Lembrei-me de Guimarães Rosa, que disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas. Tia Quinha encantou-se.
Obs: Foto da abertura: Tia Quinha , com meu pai, na missa do dia em que completou 100 anos.
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