Bilionário que vem travando guerra com o judiciário brasileiro adota postura totalmente diferente na União Europeia, onde também corre o risco de ter sua rede social X banida
Por Ivan Longo, compartilhado de Fórum
De BERLIM | As expressões “tigrão” e “tchutchuca”, popularizadas pelo funk dos anos 2000 do Bonde do Tigrão, tornaram-se parte do vocabulário cotidiano no Brasil para descrever atitudes de valentia e submissão, respectivamente. Essas palavras encaixam-se perfeitamente para definir as diferentes posturas assumidas por Elon Musk em relação ao Brasil e à Europa.
O bilionário sul-africano radicado nos Estados Unidos tem adotado uma postura de “tigrão” no Brasil. Musk desrespeitou repetidamente ordens judiciais e direcionou ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele chegou até a ameaçar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sugerindo que “tomaria” seu avião presidencial.
Recentemente, o X (antigo Twitter), de propriedade de Musk, foi banido do Brasil por ordem de Alexandre de Moraes. A razão? A recusa do bilionário em cumprir determinações judiciais e a falta de indicação de um representante legal da empresa no país. Musk chegou a criar um perfil exclusivamente para atacar o ministro, e tem reiteradamente endossado as narrativas golpistas de grupos bolsonaristas que contestam o resultado das eleições de 2022 e clamam pelo impeachment de Moraes.
A resistência de Elon Musk no Brasil resultou em outras medidas drásticas: as contas bancárias da Starlink, sua empresa de internet via satélite, foram bloqueadas, e bens de sua companhia, como carros e aeronaves, estão sob risco de apreensão para garantir o pagamento das multas impostas ao X.
O presidente Lula, em entrevista recente, fez questão de enviar um recado claro a Musk:
“Todo e qualquer cidadão de qualquer parte do mundo que tem investimento no Brasil está subordinado à Constituição brasileira e às leis brasileiras. Não é porque o cara tem muito dinheiro que o cara pode desrespeitar. Esse cidadão é um cidadão americano, não é um cidadão do mundo. Ele pensa que é o quê? Este não é um país com complexo de vira-latas, que o cara gritou e a gente fica com medo. Esse cara tem que aceitar as regras desse país. E se esse país tomou uma decisão através da Suprema Corte, ele tem que acatar. Se vale para mim, vale para ele”.
Tchutchuca na Europa
Se no Brasil Musk age como “tigrão”, na Europa ele é “tchutchuca”. Recentemente, o bilionário obedeceu prontamente às exigências impostas pelos órgãos reguladores da União Europeia, suspendendo a coleta de dados pessoais dos usuários europeus para treinar o Grok, seu chatbot de inteligência artificial.
Nesta quarta-feira (4), a Comissão de Proteção de Dados da Irlanda anunciou que a empresa de Musk comprometeu-se a remover os dados pessoais dos usuários da União Europeia, coletados entre 7 de maio e 1º de agosto de 2023, das postagens públicas da plataforma X. Este é um marco regulatório, sendo a primeira vez que uma autoridade líder da UE toma uma decisão tão drástica contra uma plataforma digital.
Após ser notificado pelo órgão irlandês, o X interrompeu temporariamente o uso de dados para o treinamento do Grok, resolvendo as pendências judiciais com a Comissão de Proteção de Dados.
X sob o risco de ser banido da União Europeia
Apesar de obedecer às ordens da Comissão de Proteção de Dados, o futuro da rede social X na Europa ainda é incerto. Recentemente, o deputado francês Sandro Gozi, do Parlamento Europeu, alertou que, se Musk continuar ignorando as leis europeias que combatem o discurso de ódio e a desinformação, o X poderá ser bloqueado em todo o bloco. “A violência online sempre leva à violência offline”, advertiu Gozi, destacando que “a extrema-direita esconde sua violência por trás da liberdade de expressão”.
Musk utiliza esse conceito distorcido de “liberdade de expressão” como argumento para desafiar o judiciário brasileiro e atacar Alexandre de Moraes. O ministro do STF aplicou multas à plataforma X por se recusar a remover postagens e contas de investigados nos inquéritos das fake news e da tentativa de golpe de Estado. A rede social estaria sendo utilizada para incitar e planejar crimes.
Na Europa, a situação não é muito diferente. O comissário europeu Thierry Breton também alertou Musk sobre o descumprimento das regras da Lei de Serviços Digitais (DSA) durante uma live transmitida no X com Donald Trump. O temor de Breton era que o evento promovesse desinformação e incitasse violência, citando como exemplo os recentes ataques a imigrantes no Reino Unido, alimentados por fake news divulgadas na plataforma.
“Estaremos extremamente atentos a quaisquer provas de violações da DSA e não hesitaremos em utilizar nosso conjunto de ferramentas, incluindo a adoção de medidas provisórias, se necessário, para proteger os cidadãos da União Europeia de danos graves”, afirmou Breton.
Com cerca de 300 milhões de usuários globais, sendo 100 milhões apenas na União Europeia, a plataforma de Musk está sob constante vigilância.
Assim, enquanto Musk se comporta como um ‘tigrão’ no Brasil, enfrentando abertamente as autoridades, na Europa, ele assume o papel de ‘tchutchuca’, cedendo rapidamente às exigências regulatórias. Essa dualidade revela o jogo de poder que o bilionário escolhe travar conforme suas conveniências regionais.
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