Violências registradas em áreas próximas de unidades escolares impactam no desempenho dos estudantes e devem afetar o futuro das crianças, segundo relatório “Tiros no Futuro”
Por Kaique Dalapola, compartilhado de Ponte
Somente no ano de 2019, 1.154 escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro foram afetadas por tiroteios envolvendo agentes de segurança. Essa informação consta no relatório “Tiros no Futuro – impactos da guerra às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro”.
Segundo os dados, com base nas informações da plataforma digital Fogo Cruzado, que mapeia os locais que registram tiroteios no Rio de Janeiro, a maior parte dessas trocas de tiros em áreas escolares aconteceu onde crianças de 1 a 5 anos estudam – foram 463 casos, que representam 40,1% do total.
O relatório também apresenta números com base em relatos de diretores da SME (Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro). Essas informações apontam tiroteios em 332 escolas, e a maior parte (205) ainda é em unidades escolares para crianças de 1 a 5 anos – sendo 61,7%.
Para chegar a esses dados, a pesquisa da CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), coordenada pela socióloga Julita Lemgruber, mapeou os locais com tiroteios e as escolas da rede municipal. Foi traçado um raio de um quilômetro para saber quais unidades de ensino tiveram, dentro dessa distância, algum desses eventos violentos. Com isso, a mesma troca de tiros pode ter afetado mais de uma escola.
O mapeamento, que considerou o ano de 2019, contou com consulta à plataforma Fogo Cruzado, para identificar os locais com tiroteios, e a supervisão da Secretaria Municipal de Educação, para localizar as unidades de ensino.
Com base nos dados, a pesquisa faz uma projeção do perfil de escolaridade das crianças que tinham 11 anos em 2019 quando chegarem aos 25 anos, em 2033. Conforme o relatório, a expectativa é que 42% desses alunos cheguem aos 25 anos sem sequer ter concluído o ensino médio – sendo que 12% deles não devem passar do ensino fundamental. A projeção indica que 58% devem atingir nível escolar médio ou superior.
Leia o relatório na íntegraBaixar
“Para estimar tal impacto, montou-se um modelo de fluxo com base nas taxas de transição de 2018-2019 estimadas pelo Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira] para o município do Rio de Janeiro. A partir daí, foi possível prever o perfil final de escolaridade das crianças que tinham 11 anos em 2019 (idade esperada para o 5º ano do ensino fundamental) e que atingirão os 25 anos de idade em 2033, ponto em que o modelo de fluxo se encerra, por ser muito pequeno o número de pessoas que continuam a trajetória educacional depois dos 25 anos”, explica o relatório.
O estudo aponta o impacto causado pela violência nas proximidades das escolas no desempenho dos alunos. De acordo com os cálculos dos pesquisadores, quanto mais próximo da unidade escolar foi registrado tiroteio, pior é o rendimento dos estudantes do 5º ano do ensino fundamental na Prova Brasil de 2019 – que é a avaliação dos alunos de escolas públicas do país.
A pesquisa considerou os tiroteios que aconteceram em distâncias entre 300 e 700 metros das escolas, com intervalos a cada 100 metros. E o resultado apontou que os alunos de unidades escolares em locais que tiveram trocas de tiros no raio de 300 metros tiveram notas piores, por exemplo, do que os estudantes que estiveram a 400 metros do tiroteio, e assim sucessivamente.
A conclusão do relatório afirma que “ao analisar o impacto da guerra às drogas no desempenho escolar de alunos da rede pública de ensino, o projeto ‘Drogas: quanto custa proibir’ buscou iluminar diversas camadas de significado dos confrontos entre a polícia e grupos que controlam o varejo das drogas em áreas pobres do município do Rio de Janeiro”.
Segundo o documento final da pesquisa, “cada tiroteio não deixa para trás apenas o rastro de sangue das vítimas dos confrontos letais, ou do custo das munições utilizadas, do combustível das viaturas ou do soldo dos policiais”, mas gera também uma série de outros impactos, sendo “a maioria deles imensuráveis, que definem trajetórias, interrompem projetos e subtraem possibilidades”.
“Os tiroteios não apenas matam pessoas, eles também sepultam sonhos e projetos, como se procurou mostrar ao longo deste relatório”, diz a conclusão do estudo. “A cada tiroteio que ocorre em uma comunidade cresce o estigma lançado sobre aquele território e sobre aquela população, cresce o medo que se dissemina entre todas as pessoas, reduzem-se as condições de empregabilidade e se reduzem também as efetivas chances de inclusão e acesso a direitos de quem vive naquele lugar.”
Por fim, o relatório destaca a necessidade de “avançar nas reformas institucionais profundas”, e diz que “para assegurar direitos às populações vítimas históricas da violência e da discriminação, é preciso levar a sério a vida, os sonhos e os projetos das crianças, adolescentes e jovens que hoje estão, lamentavelmente, na rota dos tiroteios do proibicionismo”.