Compartilhado de Adriana do Amaral
Naquela rua sem saída…
Muitos buscam alternativas
e as encontram
através da fé,
na esperança
e no resgate histórico!
Literalmente fechada, a porta da Liberdade continua iluminando o lugar através do espírito da resistência.
O antigo cemitério virou Igreja que virou Santuário que virou História que virou Memória
Chaguinhas resistiu três vezes à corda do enforcamento.
Chaguinhas ampara as vítimas do mutilamento social.
Chaguinhas, hoje, desvela a trajetória do povo
originário e negro da capital paulista.
Eu fui lá.
E também bati três vezes na porta de Chaguinhas…
E Chaguinhas atendeu ao meu pedido.
Capela dos Aflitos
Eu já conhecia a Igreja maior, #IgrejadosEnforcados, que dá para a #PraçadaLiberdade.
Mas eu ainda não tinha ido à #CapeladosAflitos, localizada numa rua transversal, ligada ao templo maior.
Foi por acaso: uma energia me atraiu para o lugar.
Entrei.
Chorei impactada pelo que foi me desvalado ali…
A cada passo foi me revelado inúmeros significados,
Como a história reescreveu o passado de dor enterrado
e um novo sentido foi criado pelas lanternas vermelhas,
transformaram o lugar num bairro oriental.
Naquela tarde,
A Capela foi fechada para visitação.
Foi iniciado um processo de restauração, que não tem prazo para acabar.
Isso, porquê não há verba assegurada,
apesar de tratar-se de um Patrimônio Histórico, tombado em 1978.
A oralidade e o testemunho
Aprendi muita coisa neste lugar:
Dona Emília, idosa negra, voluntária, recebeu-me com tanto acolhimento!
Ensinou-me a tradição dos bilhetinhos, de como me aproximar de Chaguinhas e, principalmente, que não devemos acender velas para as almas na nossa casa.
Hábito que eu mantinha por ignorância.
Explicou-me, dentre tantas coisas, que na Capela dos Aflitos persiste um dos poucos velários da capital paulista: aquele espaço destinado aos fieis acenderem velas aos santos.
Eu, que tenho por tradição acender uma vela em cada Igreja que conheço, não me furtei à tradição:
Acendi duas velas, pequeninas, mas questionei: elas serão apagadas?
Dona Emília garantiu-me que não.
A parafina iria derreter até a chama apagar por si só…
Se, por acaso acontecesse de uma chama se apagar antes disso, as pessoas do lugar pediriam licença e atiçariam fogo no pavio novamente…
A matriarca lembrou, ainda, que a maioria das Igrejas de São Paulo trocaram as velas por aquelas máquinas de velas eletrônicas, sem graça.
Concordei com ela, parecem verdadeiros caça-níqueis, mas mesmo assim eu sempre deposito uma moeda e esparo a luzinha acender; às vezes a máquina engole o trocado e não aciona o mecanismo da lâmpada…
Há pouco, cerraram -se as portas da vizinha e mais antiga loja de velas da capital paulista.
Pisando em ovos, ops ossos!
Pensar que -quando o cemitério foi desativado- a história oficial garantiu que as ossadas haviam sido transferidas para o recém-inaugurado #CemitériodaConsolação…
Só que não.
Ainda hoje, quando os edifícios modernos são construídos, partes de ossadas humanas são encontradas e descartadas nas caçambas de entulhos.
Dizem que ao caminharmos pelo bairro pisamos naquilo que foi, um dia, um campo santo.
Onde corpos assassinados dos povos indígenas e negros, escravizados ou que lutavam por direitos dos trabalhadores foram ceifados de vida.
Ressignificações através da reexistência
Nas paredes que ladeiam a capela podemos ler a história contada, a luta emancipatória e principalmente o resgate histórico.
Cartazes colados, desenhos, símbolos.
Aos poucos, o bairro da Liberdade recupera o próprio sentido.
Um espaço de convivência
Na Capela são bem-vindos fieis de todas os cultos onde a fé é celebrada
Não há lugar a intolerância.
No pequeno espaço de rezar,
eu compartilho minha curiosidade,
crença e
desejo com homens e mulheres de diferentes idades, etnias, passado e sonhos futuros distintos.
Obrigada, Chaguinha, por sua luta.
Um pouco da história do lugar
Francisco José Chagas foi condenado à morte por enforcamento por lutar por direitos do trabalhador.
Então, servia com a patente de cabo no Primeiro Batalhão dos Caçadores de São Paulo.
O seu crime? L
Reivindicar a equiparação salarial entre os militares brancos e negro.
Seu corpo foi enterrado no Cemitério em 1979.
Era lá que eram enterrados os negros, os indígenas, os trabalhadores rebelados e os corpos mutilados pela tortura.
O campo, nem tão santo assim, virou capela em 1983.
Desde então, Chaguinhas foi escolhido – e elevado – como o santo milagreiro do lugar.