Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero” do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Desta vez, Cícero César aborda um objeto da estranha moda brasileira, a tornozeleira eletrônica.
Por Cícero César
Que se pense nas pessoas de tornozeleiras eletrônicas. Trata-se de uma imagem que talvez desperte o interesse de um leitor de Foucault em potencial. Tenho em mente o clássico “Vigiar e Punir”, estudo no qual o autor francês faz a história das prisões.
Em vez da bola de ferro e da corrente atada ao tornozelo do prisioneiro, imagem que nos remete à limitação da mobilidade, vai-se a um novo estágio de vigilância total: o indivíduo tem supostamente sua mobilidade monitorada vinte quatro horas por dia, sete vezes na semana.
Em suma, em vez do peso da bola de ferro, a leveza dos eletrônicos. Deve funcionar. Até hoje eu não vi nenhum dispositivo amarrado aos fios de luz, que continuam a serem enfeitados pelos tênis velhos sem serventia, além das pipas, que por lá se enredam.
Eu moro em cidade pequena. Tenho topado com gente usando a tornozeleira corretiva por aqui. São em sua maioria homens e jovens. Mas já vi mulheres também. Alguns põem uma meia para cobrir o dispositivo que mais se parece com um relógio amarrado aos tornozelos.
O procedimento, entretanto, é inútil. Fica tudo ali praticamente às claras, para quem quiser ver, mal lhes cobrindo os pés de chinelo.
Eu não poderia deixar de vê-los nos pontos de Mototáxi, nos vagões dos trens, nas ruas da cidade, dormindo sob as marquises.
Eles acendem um sinal de alerta em mim, que me faz apertar o passo. Mas será que eles me veem? E se a resposta for afirmativa, como será que eles me veem?
A pergunta não é descabida para quem preza a liberdade.
Em tempo: Sou da época do programa televisivo “Os trapalhões”. Em uma das sequências da abertura do programa, Renato Aragão, vestido à maneira clássica dos prisioneiros do início do século XX, fazia embaixada com uma bola de ferro, dava uma bicicleta, e assim escapava da prisão. Era uma saída que escapava aos grilhões da lógica e, de quebra, ainda falava de futebol, uma paixão nacional.
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.
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