A inação do ex-chefe do MCTI durante a sua lamentável gestão, em busca permanente de autopromoção, o levou ao delírio
Por Jornal do SindCT, compartilhado de RBA
Em 19 de agosto de 2021, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações criou a estrutura de Integração de Ciência, Tecnologia e Inovação denominada Torre MCTI, por meio da Portaria MCTI nº 5.134/2021.
A inação do ex-ministro astronauta durante a sua lamentável gestão, que conjugou cordeira submissão aos rompantes negacionistas e anticiência de Bolsonaro com a silenciosa omissão financeira a Paulo Guedes e a busca permanente de sua auto-promoção, o levou ao delírio, com a criação desta pomposa “Torre MCTI”, que supõe apresentar um conjunto de redes de instituições e especialistas, plataformas digitais, bancos de dados e outros sistemas vinculados à Ciência, Tecnologia e Inovação. Mera cortina de fumaça, que não saiu do papel nem de sua minúscula mente.
Passados quase oito meses, no apagar das luzes de sua obscura passagem pelo MCTI, eis que no dia 1º de abril passado (não é piada) o astronauta lembrou da tal torre e fez publicar no Diário Oficial da União (DOU), a PORTARIA MCTI Nº 5.739, DE 30 DE MARÇO DE 2022, a qual dispõe sobre as condições e o cadastramento de instituições públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal para participar da Estrutura de Integração de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O calhamaço, que ocupou três páginas duplas do DOU, é um amontoado de platitudes que podem dar muita satisfação a burocratas apaixonados por carimbos e documentos autenticados, mas não tira do buraco o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, neste apagar das luzes de um governo que não vai deixar nenhuma marca positiva.
Inversão de prioridade
Em 09/02/2022, o Governo Federal editou a Portaria Nº 667 (que deveria ser a 666) com o objetivo de tornar pública a Agenda Legislativa Prioritária do Governo Federal para o ano de 2022. Por se tratar do último ano do atual governo, esperava-se um esforço concentrado, por parte das autoridades federais e de seus ministérios, no sentido de ter uma agenda propositiva e dinâmica, de modo a preencher o vazio de ideias e ações que foram os três outros anos. Ledo engano. Os cérebros responsáveis pela formulação de propostas governamentais parecem ter se dissolvido na sopa tóxica em que vivem imersos o presidente e seus auxiliares, sopa esta engrossada por denso caldo de intolerância, preconceitos, busca de inimigos, falta de empatia e solidariedade com os mais necessitados do poder público e, sobretudo, negacionismo científico.
Numa inversão absurda de prioridade, estão cravadas na mensagem presidencial, como fundamentais, pérolas como: a exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis, a alteração da composição do Conselho Nacional de Seguros Privados, a Identificação Civil Nacional – ICN, a representação privada de interesses realizada por pessoas naturais ou jurídicas junto a agentes públicos, e o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Mas se a mensagem se restringisse a um amontoado de ações que, apesar de não avançarem na solução dos grandes problemas de nosso país, não causassem danos colaterais, poder-se-ia até rir de tanta falta de imaginação. Mas não. Enquanto alguns dos proponentes tiveram seus cérebros apequenados, outros foram alimentados pelo caldo tóxico e aproveitaram para tentar passar a “boiada”, quem sabe, uma motoniveladora.
“Pontos de honra”
Na mensagem estão explicitados os “pontos de honra” para o governo Bolsonaro: conferir maior celeridade ao processo licitatório, flexibilidade aos contratos e atratividade ao modelo de negócio das concessões florestais; alteração na rotulagem de advertência nos produtos em relação às substâncias perigosas; mineração em Terras Indígenas e a joia da coroa: a aprovação na Câmara do Projeto de Lei 6299, que altera o regime de avaliação e aprovação de agrotóxicos no Brasil, chamado de “PL do Veneno”. Este projeto de lei significa que será mais provável que os pesticidas inseguros sejam utilizados pelos agricultores brasileiros, introduzindo uma carga maior de agrotóxicos nos alimentos consumidos pela população, mas pode também colocar em risco um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
Voltemos ao ex-ministro astronauta, à época ainda detentor do cargo. Na Portaria 667, quais são as prioridades de Bolsonaro para a área de Ciência e Tecnologia? Nenhuma. O zero de ações prioritárias para a C&T reflete a importância conferida pelo atual governo ao setor e mais, demonstra a nulidade absoluta do astronauta como ator importante que deveria ter sido.
Por outro lado, este descaso mostra a coerência de Bolsonaro: se ele passou 3 anos ignorando a Ciência, muitas vezes a negando, outras, trombando, não seria agora, no ocaso de um governo obscurantista, que ele iria se importar. O astronauta agora tem uma missão, como ele gosta de falar, eleger-se deputado federal e, assim como Ricardo Salles, obter a guarida de um mandato parlamentar que o mantenha inalcançável perante a lei pela cumplicidade com um governo genocida.
Campo minado
Gilberto Câmara, ex-diretor do INPE, comentou a portaria supracitada: “Isso é mais um episódio da lógica de militar burro: se não sabe o que fazer, pinte a calçada. Trata-se de uma iniciativa sem qualquer propósito realista, para parecer que está fazendo alguma coisa”. Câmara ainda publicou no grupo de diretores e ex-diretores dos institutos do MCTI: “Pessoal, vocês conhecem as três leis da Marinha argentina? Primeiro, pinte tudo o que está parado. Segundo, bata continência a tudo o que se move. Terceiro, não se preocupe em fazer nada real; daqui a pouco as ordens mudam e tudo começa do zero”.
Lembrei-me desses mandamentos ao ler o novo Ofício Circular sobre a genial e fantástica criação da “Torre MCTI”. Como diz um grande amigo, “em Brasília é difícil separar a safadeza da estupidez”. A seis meses das eleições, mobilizar instituições e cientistas sérios para gerar um factoide que será devidamente esquecido assim que mudar o governo é falta de respeito com quem ainda teima em fazer Ciência no Brasil. Lógico que os bolsominions entre nós vão achar que é um grande avanço. Mais controle, mais burocracia e menos Ciência”.
Câmara não falou, mas acho que nenhum bolsominion integrante do grupo se manifestou. Todavia, deveras preocupante, é que daqui a poucos meses a ordem mudará, mas talvez não poderemos começar do zero, pois o atual governo deixará como herança um campo minado e com tamanho retrocesso que demandará imenso esforço para reconstruir o Brasil.