Por Carlos Eduardo Carvalho, jornalista, Bem Blogado
Se é possível “absolver” a insanidade de pobres e desinformados, o que dizer do comportamento de nossa elite ignorante?
O Brasil ostenta números espantosamente trágicos de casos e mortes pelo novo coronavírus. Para se ter uma ideia do tamanho da desgraça, o País tem 2,6% da população do mundo e nossos mortos são quase 14% do total mundial. Infelizmente, nos próximos dias chegaremos aos 100 mil brasileiros que nos deixaram pela pandemia.
Serão 100 mil famílias enlutadas. Uma dor sem fim, mas infelizmente parece que nos acostumamos a esses números macabros. Sim, é verdade que o genocida Bolsonaro e seu governo dão péssimos exemplos na abordagem ao vírus. São ignorantes de fé.
O neoliberalismo sucateou o indispensável SUS, que se revela agora, para quem fingia não saber, a única esperança para a maioria dos brasileiros. incapazes de arcar com o custo exorbitante de um plano de saúde.
O presidente da República e os militares que ocuparam o Ministério da Saúde são obviamente incapazes de respeitar Ciência e conhecimento.
Como diria o imbecil, “talkei”, tudo isso é verdade. Mas alguns sinais preocupantes da sociedade brasileira escapam disso. Existe, e é triste reconhecermos, uma parcela relevante de brasileiros que, em algum número, podem não ser nominalmente bolsonaristas, mas se comportam de maneira vil na pandemia. São os comerciantes que forçam a reabertura das atividades e expõem seus funcionários ao risco, os jovens ricos do Leblon que ignoram a pandemia, o desembargador da carteirada em Santos, o engenheiro que desacata fiscal no Rio, os moleques da favela que insistem nos bailes funk etc.
Esses são apenas exemplos que barbaridades que ocorreram e ganharam relevo na mídia. Muita coisa que revela nossa pobreza não-material pode ser observada por quem se arrisca a ir para as ruas brasileiras nos últimos dias. O desprezo pelas máscaras é talvez o mais certeiro símbolo da nossa ignorância.
Se é possível “absolver” a insanidade de pobres e desinformados, o que dizer do comportamento de nossa elite ignorante? Estrangeiros que estão no Brasil se dizem escandalizados com o pouco caso de nossos ricos com a pandemia, a relutância para adotar procedimentos mínimos de prevenção, o descaso com vidas alheias, o combate à Ciência…
Sim, é preciso reconhecer que parte relevante de nossos compatriotas são bárbaros, ignorantes irrecuperáveis. Essa ignorância triunfante faz com que convivamos quase que naturalizando o fato de, a cada dia e insistentemente, mais de mil brasileiros morram vítimas do novo coronavírus e a vida continue como se nada estivesse ocorrendo.
Incorporamos como inevitável o luto dos outros, dos nossos vizinhos. Esse estado de demência coletiva mostra que, além da batalha política para remover o fascismo do Poder, os democratas e humanistas brasileiros serão obrigados a combater no chão e conviver com gente que perdeu, se um dia os teve, princípios civilizatórios mínimos.
São membros de nossas famílias, o vizinho que cumprimentamos todos os dias, o cara do mercadinho, o dono da padaria etc. Se não se comovem nem com a possibilidade de sua ignorância tirar vidas de inocentes, são irrecuperáveis mesmo.
É fato, triste mas real. Dá discussão para mais de metro o como chegamos a esse ponto. Somos um talvez 20% de brasileiros que representam a anomalia.
O que está rolando no País não é regra mundial. Tornamo-nos, principalmente pela brutalidade dos fascistas no governo, párias internacionais.
Aquela imagem do povo a legre e solidário, ainda maioria na realidade, ficou para trás. Lá fora, fala-se apenas que nos transformamos em brutos.
Os boçais conseguiram arruinar a fotografia nacional no estrangeiro. Mas o pior mesmo é o estrago que fazem aqui. O espírito bolsonarista da ignorância tem que ser destruído junto com o genocida.
Sabemos agora que não vai bastar derrubar Bolsonaro, o que já não é fácil. É necessário sepultar junto as ideias de milhões de brasileiros que optaram pela barbárie no cotidiano.